terça-feira, 1 de abril de 2014

Posted by T. T. Albuquerque | File under : , , , ,
Segundo capítulo desse projeto, onde o universo da trama é apresentado um pouco mais. Espero que gostem e como sempre, peço que comentem. Obrigado!


Dois engenheiros.

A tela do computador mostra gráficos da trajetória do cometa para o engenheiro sentado à sua frente. Ele avalia, relaciona e compara os dados, para então, os estruturar em uma complexa planilha estatística. O grande relógio cromado que ocupa a parede da baia de trabalho do homem, diz que ainda é muito cedo, apenas nove da manhã, mas ele já está farto desse pequeno serviço maçante e boceja a todo instante.

O som que ocupa todo o ambiente é uma cacofonia de vozes entediadas, quase mecânicas de tão impessoais, transmissões de rádio e os zumbidos das centenas de computadores. O barulho só faz o desanimo amentar no homem. O engenheiro divide sua atenção entre seu labor e indagações sobre todos os anos de estudo e dedicação, que acabaram por ser recompensados com um emprego, que apesar de estável e bem remunerado, é em quase nada gratificante.

Suas divagações chegam a um fim, assim que um homem se aproxima sorrindo. Ele é baixo, gordo, careca e ostenta um grande bigode. Seu sorriso, apesar de franco, lhe faz parecer estúpido.
-Bom dia Gutierrez. Que tal uma pausa para um café?
O engenheiro sentado à frente do computador, como se desperto de um longo sonho, vira-se lentamente em direção da voz.
-Bom dia Honsom. Por que não?

O homem levanta-se e acompanhado de seu atarracado colega, caminha em direção da máquina de café.
Durante o pequeno trajeto, Honsom o bombardeia com amenidades vistas e lidas mais cedo. Gutierrez apenas olha de soslaio para seu falante colega, vez por outra, ele concorda sobre algo, com monótonos acenos positivos com a cabeça. A verborragia estúpida e vazia do colega faz com que ele passe a considerar as analises estatísticas bem mais cativantes.

Ao chegarem à pequena sala, onde várias máquinas de vendas automáticas e um antigo aparelho de televisão estão dispostos, os homens, um após o outro, tocam os painéis de identificação digital e recebem, cada qual, seu café.
O mais baixo da dupla, prova a bebida e uma careta de desgosto surge em sua face.
-Essa droga de café está cada vez pior.
Gutierrez discorda com a cabeça, enquanto dá alguns goles na bebida.
-Eu gosto do café daqui, forte e muito doce.
Honsom sorri enquanto balança a cabeça de forma desaprovadora.
-Você ainda vai adoecer de tanto comer doces. Viu a nova entrevista do Craig? Eu achei interessante.

O engenheiro mais alto deixa escapar um suspiro desaprovador enquanto continua bebendo.
-Vi aquela merda sim. Aquilo não pode ser considerado como uma entrevista são apenas nove parágrafos. Na minha época, entrevistas de verdade, tinham várias páginas.
O careca sorri enquanto bebe.
-Você parece um velho rabugento falando assim. Os leitores de hoje em dia, não tem paciência, vontade ou tempo para textos como os de antes da guerra. Essa é uma geração mais veloz e cheia de afazeres.

A expressão de Gutierrez se enche de desdém.
-Cheio de afazeres é o meu pau. São um bando de retardados que só querem as coisas mastigadas e fáceis. Uma corja de ignorantes. Minha sobrinha, por exemplo, dei para a garota no Natal, um livro como presente. Semanas depois, perguntei a ela sobre o que achou do livro, se havia gostado. E sabe o que ela disse?
Jogando o copo descartável no lixo, Honsom balança a cabeça negativamente em resposta à pergunta.
-A vaca da garota disse que odiou! Que era muito longo e com uma linguagem rebuscada demais! E sabe qual era o livro?
Enquanto pega um pacote de biscoito de uma das máquinas, o outro engenheiro, novamente responde de forma negativa.
-Torres de Num do Bill Smith! Porra! O livro tem umas cento e tantas páginas e a linguagem é muito acessível. Eu li esse livro quando eu era um garoto da idade dela. Essa atual geração é uma merda.
Mastigando vários biscoitos ao mesmo tempo, o outro homem sorri, deixando que farelos caiam de sua boca.
-Você realmente parece um velho ranzinza. Viu a simulação do Projeto Esperare?
Muito irritado, Gutierrez busca outro copo de café.
-Não, me atrasei hoje. Você viu?

Amassando o pacote vazio entre as mãos, o careca, deixa escapar um riso de satisfação.
-Sim eu vi. Fantástico! Eles capturarão o máximo possível de pedaços de gelo desprendidos do cometa. Em seguida, os rebocarão até a órbita da Terra e o deixarão cair na atmosfera em pequenos pedaços. Será um sucesso!
O otimismo do homem irrita ainda mais Gutierrez.
-E caso existam patógenos desconhecidos na porra do gelo? Eles acham que a fricção e todo o calor gerado, podem eliminar qualquer risco? Meu pau que pode.
Honsom parece se divertir com o humor do colega.
-Lógico que eles farão estudos sobre esse tipo de coisa. Somos a NASA.

Gutierrez fica completamente irritado.
-Espero que façam um serviço porco e que deixem passar alguma coisa que acabe com esse bando de inúteis que só servem para ocupar espaço. Uma merda pior que o Neo Ebola.
Cruzando os braços, o outro engenheiro, parece horrorizado com a afirmação.
-Meu Deus cara. Nem brinque com isso. Todo o continente africano ainda é zona de risco biológico. Segundo os novos relatórios da ONU, não existem populações humanas em todo o continente. Você não sente pena dos africanos? Foi uma catástrofe.
Dando de ombros, o homem mais alto, bebe um pouco mais do seu café.
-Que se fodam os africanos. Quem mandou entrarem em guerra por causa de religião? Quem mandou criarem a porra do vírus? Quem mandou serem idiotas e usarem aquela merda neles mesmos?
Seu colega coloca as mãos na cintura e sua voz é cheia de reprovação.
-Você é impossível cara! Essa sua amargura ainda vai te causar um câncer ou coisa pior!
Honsom vira-se e em passos decididos, vai embora.
Gutierrez sorri de satisfação e ao tomar o restante do café em seu copo, o joga no lixo, em seguida puxa do bolso, um maço de cigarros e acende um.
Ele mostra o dedo médio para o pequeno aviso que proíbe o fumo no recinto e então liga a televisão.

Na tela, imagens de protestos ao redor do globo. Os protestantes exigem um relaxamento nas leis de racionamento de consumo de água. O engenheiro troca de canal e um comercial de um novo reality show com atrizes pornôs aparece no visor.
Após uma longa tragada, o homem deixa escapar um pensamento.
-Salvar essa merda? Para que?

Ele joga o cigarro no chão e o pisando, apaga a pequena guimba. Em passos lentos, Gutierrez retorna para seu maçante serviço.

Um comentário:

  1. Ah, sim, Einstein disse a máxima: “Tenho medo do dia que a tecnologia vai se sobrepor à interação humana. O mundo terá uma geração de idiotas.” E olha o que temos agora. Seria cômico se não fosse trágico. Gostei do capítulo, as críticas como já disse, a trama aguça a mente e isso é bom. Já estou esperando o próximo capítulo. Abraços

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