segunda-feira, 31 de março de 2014

Posted by T. T. Albuquerque | File under : , , , ,
O primeiro capítulo desse projeto, onde alguns dos personagens são apresentados e outros mais trabalhados. Espero que gostem e peço, comentem. Obrigado!


Uma entrevista.

A jovem está cansada da viagem e da espera. Ela pensa em deitar na cama do quarto de hotel e dormir, mas se mantém firme. O compromisso de hoje pode mudar sua vida. Como repórter, será a sua maior chance de conseguir fama, crescimento profissional e quem sabe, com um pouco mais de sorte, fazer a história.

Ela ainda não consegue acreditar que graças a um amigo da internet, tenha conseguido uma entrevista exclusiva com o homem do momento, Paul Craig, o astrônomo.
A moça sempre gostou de Andrew, um rapaz divertido e inteligente que conheceu em um fórum na internet, mas nunca pensou que essa amizade seria tão importante como provou ser. Seu amigo virtual é sobrinho do astrônomo e foi graças à ajuda dele que a jovem poderá entrevistar o homem, que segundo a imprensa internacional, é um exemplo de obstinação e espírito cientifico, a pessoa que descobriu a esperança da humanidade.

Após um atraso de mais de duas horas, a jornalista, pensa que seu entrevistado não virá e quando já com o celular em mãos para ligar para Andrew e descobrir o motivo do cancelamento da entrevista, ela escuta batidas na porta do quarto de hotel. Cheia de nervosismo, a jovem corre até a porta e a abre, um homem alto, está em pé na soleira da porta.
Com um sorriso amarelo, Paul se explica.
-Desculpe o atraso, mas foi difícil passar pelo hall do hotel. Todo mundo quer uma foto minha para colocar na internet.
Tentando conter sua alegria e excitação, a jovem jornalista responde.
-Não há problema senhor Craig. Por favor, entre.

O homem sorri e entra no quarto. Enquanto a jovem fecha a porta, ela estuda a aparência do homem. Ele se veste de forma simples, uma camiseta antiga de uma banda de rock pré-guerra, um jeans preto desbotado e um boné dos Giants. Sua expressão é uma mescla de satisfação pessoal, cansaço e tristeza. Apesar de ter quarenta e dois anos, sua barba e cabelo, já cheios de fios grisalhos e por aparar, fazem o homem aparentar ser mais velho em dez anos ou mais.
A jornalista se aproxima do astrônomo e estende sua mão em cumprimento.
-Muito obrigado por ter vindo senhor Craig. Meu nome é Maria Clara Silva. É uma honra lhe conhecer pessoalmente.
Paul parece ficar desconfortável com o cumprimento.
-Ora, isso não é nada demais. Andrew me falou sobre você e de que como uma entrevista comigo seria boa para sua carreira. Não vi o porquê de não a conceder.

Maria aponta uma poltrona em um canto do quarto, como se convidando o homem para sentar-se.
-Por favor, senhor Craig, fique a vontade.
A jovem se dirige até um armário e de lá retorna, trazendo nas mãos, uma folha digital e uma câmera fotográfica profissional. Ela coloca ambos os objetos sobre uma pequena mesa disposta ao lado da poltrona onde o astrônomo está sentado e senta-se em outra logo ao lado.
-Podemos começar então?
Paul acena positivamente com a cabeça.
-Podemos sim, mas antes, gostaria de perguntar algo. Pode ser?
Com a expressão cheia surpresa, a jovem concorda.
-Claro.
O homem puxa do bolso um maço de cigarros e o inspeciona por alguns segundos.
-Eu iria perguntar se você se incomodaria que eu fumasse, mas os cigarros acabaram.
A jovem sorri e puxando do bolso de sua calça um maço lacrado, brinca.
-Só me incomodaria se eu não pudesse fumar também.
Ela abre o pequeno pacote, retira um cigarro e estende o restante na direção de Paul. O astrônomo retira um cigarro e coloca o maço sobre a mesa, junto dos demais objetos. Ele olha para o cigarro de forma inquisidora.
-Que raio de marca é essa? “Palha de Pita”. Não conheço. É brasileira?
Enquanto acende o seu cigarro, Maria responde.
-Sim, minha marca favorita. Meu pai fumava quando ainda era vivo.
Após acender o cigarro e dar a primeira tragada, o homem tosse como se sufocado pela fumaça.
-Nossa! Isso é forte como um charuto.
A moça sorri da afirmação e o homem, meio que envergonhado, continua.
-Como você conheceu o Andrew? Ele costuma falar sobre você, mas eu não sabia que era estrangeira. Pensei ser alguém do trabalho ou faculdade.

Após uma longa tragada, a jornalista esclarece.
-Conheci o Andrew em um fórum na internet para órfãos da Guerra da Amazônia. Nossa história é um pouco parecida e os nossos gostos também. Isso meio que criou um elo entre nós. Acho que isso é algo natural hoje em dia.
Paul acena positivamente com a cabeça enquanto sopra anéis de fumaça pela boca.
-Entendo. Isso explica muita coisa.

A expressão da jornalista se enche de surpresa.
-Como assim?
Apagando o cigarro, enquanto acende outro, o homem explica.
-Os pais de Andrew serviram na merda da invasão da Amazônia. Ele foi deixado comigo, e sinceramente, eu nunca fui o tipo paterno ou que fala sobre os sentimentos alheios. Quando o pai dele morreu, em um lugar chamado Algodoal, eu acho, ele ficou muito mal, mas se segurou bem. Foi só quando a mãe morreu, dois anos depois, durante a invasão do Rio de Janeiro, que ele quase surtou. E eu fui de pouca ajuda.

Paul dá mais uma longa tragada no cigarro.
-E tentei ajudar, mas não conseguia. Tivemos problemas. Ele usou drogas, cometeu alguns delitos e foi preso. As coisas só melhoraram quando eu consegui o convencer a ir a um grupo de ajuda. Depois disso, ele passou a se comunicar com pessoas pelo mundo via internet. Ele se fechou para mim, mas ficou melhor, e isso basta. E seus pais? Como morreram?
Maria fica por alguns segundos, pensativa, lembrando-se de algo ocorrido há muito tempo e após uma ultima tragada, apaga seu cigarro.
-Meu pai morreu durante a retomada de Goiás e minha mãe em uma explosão em São Paulo. Andrew é um amigo muito querido, ele sempre foi muito gentil.
O homem sorri de forma melancólica.
-Ele gosta muito de você, ficaria muito chateado comigo se eu não viesse. Fico feliz que ele tenha amigos que possam o entender.

Maria acende outro cigarro.
-Podemos começar a entrevista então?
O astrônomo sorri enquanto sopra anéis de fumaça que se desfazem pelo ar.
-Claro. Pode começar.
A jovem pega a folha digital sobre a mesa e a liga. Assim que o aparelho passa a funcionar, é passado para Paul, que meio surpreso o segura.
-Eu nunca me acostumei com essas coisas, na minha infância, havia algo parecido chamado de “tablet”, mas era bem mais pesado e rígido. Essas folhas digitais são muito estranhas em minha opinião.

O homem olha para uma série de notícias sobre a sua descoberta e sobre si mesmo. Ele acaba ficando meio constrangido.
-O que você quer que eu veja aqui?
Maria segura a máquina fotográfica e tira uma foto do homem. Ele é pego de surpresa.
-Nada, só queria poder compor uma boa imagem para a entrevista.
Paul coloca a folha digital sobre a mesa e acende outro cigarro. Parece um pouco irritado com a foto. A jovem observa a imagem capturada no visor do aparelho e fica satisfeita.
-Bom. Ficou boa.

O astrônomo fica em silencio fumando, esperando as perguntas e elas, logo chegam.
-Não vou tomar muito mais do seu tempo senhor Craig. Todo mundo já lhe perguntou sobre quase tudo, então a minha entrevista vai se resumir a duas perguntas. OK?
Paul acena positivamente, ao ver isso, a jornalista continua.
-Ótimo. Então lá vai. Como o senhor percebe sua importância na história humana?
O homem encara a moça durante alguns minutos, em silencio. O ar parece pesar.
-Não sei dizer ao certo. Acho que pouca, muito pouca, na verdade. Mas de toda forma, eu acabei por conseguir um pouco de paz com isso.
Maria fica surpresa com a afirmação.
-Como assim?
Mais um cigarro é acesso pelo homem.
-Me deixe tentar explicar...
Paul parece confuso e por alguns minutos, fica pensando na resposta enquanto termina o cigarro. Ao acender mais um, ele continua.
-Todos nós, um dia, iremos morrer. Tudo um dia deixará de existir, a Terra, as estrelas, o universo, enfim, tudo. Nós sabemos desse fato e apesar disso, de saber que todos os nossos esforços são, na prática em vão, nós estudamos, criamos e filosofamos. Por quê? Por que queremos a eternidade.
A expressão da moça é de pura dúvida.
-Veja bem Maria. Nós nunca alcançaremos a eternidade da carne, somos regidos por leis biológicas e físicas que impedem isso, no entanto, somos capazes de viver indefinidamente na memória das pessoas. Essa é a única eternidade que podemos ter.
A jornalista ainda mantém a expressão de dúvida na face.
-Por favor, explique melhor.
Paul sorri.
-Para mim, a morte não é o fim das funções biológicas. A morte é o esquecimento. Quando você é esquecido, você tipo que desaparece, é como se de alguma forma você jamais houvesse existido. Isso me causa horror, o esquecimento, e a única forma de não ser esquecido, é tendo contribuído para a história humana. Só assim alguém vira verbete em alguma enciclopédia. Só assim alcançamos a eternidade. Só assim vivemos longe da total aniquilação no vazio do esquecimento. Eu tive sorte, virei verbete na internet. Eu consegui ser imortal de certa forma e isso me deu alguma paz.
Maria fica boquiaberta ante a explicação e o astrônomo, envergonhado diz.
-Muito mesquinha essa minha visão, não é?
Após se recompor da surpresa, a jovem continua a entrevista.
-Na verdade não. Foi apenas surpreendente. Geralmente as pessoas não usam dessa franqueza e se escudam em desculpas como o bem da humanidade, amor, virtude, avanço científico ou conhecimento. Realmente foi uma surpresa. Podemos continuar?
A chama do isqueiro acende outro cigarro nas mãos do homem, que com mais um gesto positivo com a cabeça, afirma que sim. A jovem pergunta.
-O senhor acredita que sua descoberta será tida como a mais importante desse século, pelas gerações futuras?
Paul deixa escapar uma risada ríspida.
-Claro que não. As pessoas são modistas e fúteis. Eu tenho firme convicção que isso não mudará no futuro, na verdade penso que só irá piorar. A guerra acabou há apenas dezoito anos e a atual geração pouco se importa com o que aconteceu. Os garotos pensam que a guerra não é problema deles, que é uma coisa de gente velha e amarga. Não entendem como a guerra mudou o mundo, como ela o deixou ainda pior. Assim que descobrirem alguma droga nova ou uma moda surgir, esquecerão-se do cometa e de mim. É a natureza humana. Por sorte, terão que ler sobre nós durante as aulas e nos xingar, por os fazer perder tempo conosco. Isso é tipo que uma vingança para mim.
A moça ri ao imaginar a ideia.

Assim que o cigarro termina, Paul ergue-se da poltrona e deixa escapar um tom de desanimo em sua voz.
-Agora, após essa entrevista, as pessoas com certeza pedirão menos por uma foto comigo. Mas hoje, ainda me farão perder muito tempo tirando fotos para as mídias sociais e eu estou realmente cansado. Podemos encerrar por aqui?
A jornalista sorri de satisfação.
- Claro. Obrigado senhor Craig, essa entrevista foi realmente fantástica. Muito reveladora. E sinto, mas discordo, as pessoas o verão como um ser humano normal, cheio de medos e incertezas, e isso irá as aproximar ainda mais do senhor.
Pousando a guimba no cinzeiro já repleto, sobre a mesa, o homem se encaminha para a porta do quarto enquanto é seguido pela moça. Ao abrir a porta do quarto de hotel ele, entre um sorriso, diz.
-Espero ter ajudado e de não ter sido muito chato. Pretende visitar o Andrew? Ele gostaria muito disso.

Maria estende a mão em cumprimento de adeus.
-Muito obrigado senhor Craig, realmente foi uma entrevista muito boa. Eu irei sim, depois de amanhã.
O homem aperta a mão da jovem.
-Agora preciso ir, foi um prazer Maria.
A jornalista sorri ao se despedir de Paul e assim que ele toma o elevador, entra no quarto e corre para pegar a folha digital e o gravador. A entrevista é então transcrita enquanto a jovem sonha com os efeitos de sua publicação.

Assim que a transcrição e a construção do texto final chegam aos seus fins, Maria fica a olhar o topo da tela, imaginando um título impactante para a entrevista. Por mais de meia hora, ela fica presa em um beco criativo e para tentar sair dele, volta a ouvir a gravação da entrevista. Na terceira vez que a gravação se repete, o título surge.
No topo da matéria, como título, ela escreve: Como o medo do esquecimento deu vida a eternidade de Paul Craig.

Feliz, a moça sorri.A jovem está cansada da viagem e da espera. Ela pensa em deitar na cama do quarto de hotel e dormir, mas se mantém firme. O compromisso de hoje pode mudar sua vida. Como repórter, será a sua maior chance de conseguir fama, crescimento profissional e quem sabe, com um pouco mais de sorte, fazer a história.

Ela ainda não consegue acreditar que graças a um amigo da internet, tenha conseguido uma entrevista exclusiva com o homem do momento, Paul Craig, o astrônomo.
A moça sempre gostou de Andrew, um rapaz divertido e inteligente que conheceu em um fórum na internet, mas nunca pensou que essa amizade seria tão importante como provou ser. Seu amigo virtual é sobrinho do astrônomo e foi graças à ajuda dele que a jovem poderá entrevistar o homem, que segundo a imprensa internacional, é um exemplo de obstinação e espírito cientifico, a pessoa que descobriu a esperança da humanidade.

Após um atraso de mais de duas horas, a jornalista, pensa que seu entrevistado não virá e quando já com o celular em mãos para ligar para Andrew e descobrir o motivo do cancelamento da entrevista, ela escuta batidas na porta do quarto de hotel. Cheia de nervosismo, a jovem corre até a porta e a abre, um homem alto, está em pé na soleira da porta.
Com um sorriso amarelo, Paul se explica.
-Desculpe o atraso, mas foi difícil passar pelo hall do hotel. Todo mundo quer uma foto minha para colocar na internet.
Tentando conter sua alegria e excitação, a jovem jornalista responde.
-Não há problema senhor Craig. Por favor, entre.

O homem sorri e entra no quarto. Enquanto a jovem fecha a porta, ela estuda a aparência do homem. Ele se veste de forma simples, uma camiseta antiga de uma banda de rock pré-guerra, um jeans preto desbotado e um boné dos Giants. Sua expressão é uma mescla de satisfação pessoal, cansaço e tristeza. Apesar de ter quarenta e dois anos, sua barba e cabelo, já cheios de fios grisalhos e por aparar, fazem o homem aparentar ser mais velho em dez anos ou mais.
A jornalista se aproxima do astrônomo e estende sua mão em cumprimento.
-Muito obrigado por ter vindo senhor Craig. Meu nome é Maria Clara Silva. É uma honra lhe conhecer pessoalmente.
Paul parece ficar desconfortável com o cumprimento.
-Ora, isso não é nada demais. Andrew me falou sobre você e de que como uma entrevista comigo seria boa para sua carreira. Não vi o porquê de não a conceder.

Maria aponta uma poltrona em um canto do quarto, como se convidando o homem para sentar-se.
-Por favor, senhor Craig, fique a vontade.
A jovem se dirige até um armário e de lá retorna, trazendo nas mãos, uma folha digital e uma câmera fotográfica profissional. Ela coloca ambos os objetos sobre uma pequena mesa disposta ao lado da poltrona onde o astrônomo está sentado e senta-se em outra logo ao lado.
-Podemos começar então?
Paul acena positivamente com a cabeça.
-Podemos sim, mas antes, gostaria de perguntar algo. Pode ser?
Com a expressão cheia surpresa, a jovem concorda.
-Claro.
O homem puxa do bolso um maço de cigarros e o inspeciona por alguns segundos.
-Eu iria perguntar se você se incomodaria que eu fumasse, mas os cigarros acabaram.
A jovem sorri e puxando do bolso de sua calça um maço lacrado, brinca.
-Só me incomodaria se eu não pudesse fumar também.
Ela abre o pequeno pacote, retira um cigarro e estende o restante na direção de Paul. O astrônomo retira um cigarro e coloca o maço sobre a mesa, junto dos demais objetos. Ele olha para o cigarro de forma inquisidora.
-Que raio de marca é essa? “Palha de Pita”. Não conheço. É brasileira?
Enquanto acende o seu cigarro, Maria responde.
-Sim, minha marca favorita. Meu pai fumava quando ainda era vivo.
Após acender o cigarro e dar a primeira tragada, o homem tosse como se sufocado pela fumaça.
-Nossa! Isso é forte como um charuto.
A moça sorri da afirmação e o homem, meio que envergonhado, continua.
-Como você conheceu o Andrew? Ele costuma falar sobre você, mas eu não sabia que era estrangeira. Pensei ser alguém do trabalho ou faculdade.

Após uma longa tragada, a jornalista esclarece.
-Conheci o Andrew em um fórum na internet para órfãos da Guerra da Amazônia. Nossa história é um pouco parecida e os nossos gostos também. Isso meio que criou um elo entre nós. Acho que isso é algo natural hoje em dia.
Paul acena positivamente com a cabeça enquanto sopra anéis de fumaça pela boca.
-Entendo. Isso explica muita coisa.

A expressão da jornalista se enche de surpresa.
-Como assim?
Apagando o cigarro, enquanto acende outro, o homem explica.
-Os pais de Andrew serviram na merda da invasão da Amazônia. Ele foi deixado comigo, e sinceramente, eu nunca fui o tipo paterno ou que fala sobre os sentimentos alheios. Quando o pai dele morreu, em um lugar chamado Algodoal, eu acho, ele ficou muito mal, mas se segurou bem. Foi só quando a mãe morreu, dois anos depois, durante a invasão do Rio de Janeiro, que ele quase surtou. E eu fui de pouca ajuda.

Paul dá mais uma longa tragada no cigarro.
-E tentei ajudar, mas não conseguia. Tivemos problemas. Ele usou drogas, cometeu alguns delitos e foi preso. As coisas só melhoraram quando eu consegui o convencer a ir a um grupo de ajuda. Depois disso, ele passou a se comunicar com pessoas pelo mundo via internet. Ele se fechou para mim, mas ficou melhor, e isso basta. E seus pais? Como morreram?
Maria fica por alguns segundos, pensativa, lembrando-se de algo ocorrido há muito tempo e após uma ultima tragada, apaga seu cigarro.
-Meu pai morreu durante a retomada de Goiás e minha mãe em uma explosão em São Paulo. Andrew é um amigo muito querido, ele sempre foi muito gentil.
O homem sorri de forma melancólica.
-Ele gosta muito de você, ficaria muito chateado comigo se eu não viesse. Fico feliz que ele tenha amigos que possam o entender.

Maria acende outro cigarro.
-Podemos começar a entrevista então?
O astrônomo sorri enquanto sopra anéis de fumaça que se desfazem pelo ar.
-Claro. Pode começar.
A jovem pega a folha digital sobre a mesa e a liga. Assim que o aparelho passa a funcionar, é passado para Paul, que meio surpreso o segura.
-Eu nunca me acostumei com essas coisas, na minha infância, havia algo parecido chamado de “tablet”, mas era bem mais pesado e rígido. Essas folhas digitais são muito estranhas em minha opinião.

O homem olha para uma série de notícias sobre a sua descoberta e sobre si mesmo. Ele acaba ficando meio constrangido.
-O que você quer que eu veja aqui?
Maria segura a máquina fotográfica e tira uma foto do homem. Ele é pego de surpresa.
-Nada, só queria poder compor uma boa imagem para a entrevista.
Paul coloca a folha digital sobre a mesa e acende outro cigarro. Parece um pouco irritado com a foto. A jovem observa a imagem capturada no visor do aparelho e fica satisfeita.
-Bom. Ficou boa.

O astrônomo fica em silencio fumando, esperando as perguntas e elas, logo chegam.
-Não vou tomar muito mais do seu tempo senhor Craig. Todo mundo já lhe perguntou sobre quase tudo, então a minha entrevista vai se resumir a duas perguntas. OK?
Paul acena positivamente, ao ver isso, a jornalista continua.
-Ótimo. Então lá vai. Como o senhor percebe sua importância na história humana?
O homem encara a moça durante alguns minutos, em silencio. O ar parece pesar.
-Não sei dizer ao certo. Acho que pouca, muito pouca, na verdade. Mas de toda forma, eu acabei por conseguir um pouco de paz com isso.
Maria fica surpresa com a afirmação.
-Como assim?
Mais um cigarro é acesso pelo homem.
-Me deixe tentar explicar...
Paul parece confuso e por alguns minutos, fica pensando na resposta enquanto termina o cigarro. Ao acender mais um, ele continua.
-Todos nós, um dia, iremos morrer. Tudo um dia deixará de existir, a Terra, as estrelas, o universo, enfim, tudo. Nós sabemos desse fato e apesar disso, de saber que todos os nossos esforços são, na prática em vão, nós estudamos, criamos e filosofamos. Por quê? Por que queremos a eternidade.
A expressão da moça é de pura dúvida.
-Veja bem Maria. Nós nunca alcançaremos a eternidade da carne, somos regidos por leis biológicas e físicas que impedem isso, no entanto, somos capazes de viver indefinidamente na memória das pessoas. Essa é a única eternidade que podemos ter.
A jornalista ainda mantém a expressão de dúvida na face.
-Por favor, explique melhor.
Paul sorri.
-Para mim, a morte não é o fim das funções biológicas. A morte é o esquecimento. Quando você é esquecido, você tipo que desaparece, é como se de alguma forma você jamais houvesse existido. Isso me causa horror, o esquecimento, e a única forma de não ser esquecido, é tendo contribuído para a história humana. Só assim alguém vira verbete em alguma enciclopédia. Só assim alcançamos a eternidade. Só assim vivemos longe da total aniquilação no vazio do esquecimento. Eu tive sorte, virei verbete na internet. Eu consegui ser imortal de certa forma e isso me deu alguma paz.
Maria fica boquiaberta ante a explicação e o astrônomo, envergonhado diz.
-Muito mesquinha essa minha visão, não é?
Após se recompor da surpresa, a jovem continua a entrevista.
-Na verdade não. Foi apenas surpreendente. Geralmente as pessoas não usam dessa franqueza e se escudam em desculpas como o bem da humanidade, amor, virtude, avanço científico ou conhecimento. Realmente foi uma surpresa. Podemos continuar?
A chama do isqueiro acende outro cigarro nas mãos do homem, que com mais um gesto positivo com a cabeça, afirma que sim. A jovem pergunta.
-O senhor acredita que sua descoberta será tida como a mais importante desse século, pelas gerações futuras?
Paul deixa escapar uma risada ríspida.
-Claro que não. As pessoas são modistas e fúteis. Eu tenho firme convicção que isso não mudará no futuro, na verdade penso que só irá piorar. A guerra acabou há apenas dezoito anos e a atual geração pouco se importa com o que aconteceu. Os garotos pensam que a guerra não é problema deles, que é uma coisa de gente velha e amarga. Não entendem como a guerra mudou o mundo, como ela o deixou ainda pior. Assim que descobrirem alguma droga nova ou uma moda surgir, esquecerão-se do cometa e de mim. É a natureza humana. Por sorte, terão que ler sobre nós durante as aulas e nos xingar, por os fazer perder tempo conosco. Isso é tipo que uma vingança para mim.
A moça ri ao imaginar a ideia.

Assim que o cigarro termina, Paul ergue-se da poltrona e deixa escapar um tom de desanimo em sua voz.
-Agora, após essa entrevista, as pessoas com certeza pedirão menos por uma foto comigo. Mas hoje, ainda me farão perder muito tempo tirando fotos para as mídias sociais e eu estou realmente cansado. Podemos encerrar por aqui?
A jornalista sorri de satisfação.
- Claro. Obrigado senhor Craig, essa entrevista foi realmente fantástica. Muito reveladora. E sinto, mas discordo, as pessoas o verão como um ser humano normal, cheio de medos e incertezas, e isso irá as aproximar ainda mais do senhor.
Pousando a guimba no cinzeiro já repleto, sobre a mesa, o homem se encaminha para a porta do quarto enquanto é seguido pela moça. Ao abrir a porta do quarto de hotel ele, entre um sorriso, diz.
-Espero ter ajudado e de não ter sido muito chato. Pretende visitar o Andrew? Ele gostaria muito disso.

Maria estende a mão em cumprimento de adeus.
-Muito obrigado senhor Craig, realmente foi uma entrevista muito boa. Eu irei sim, depois de amanhã.
O homem aperta a mão da jovem.
-Agora preciso ir, foi um prazer Maria.
A jornalista sorri ao se despedir de Paul e assim que ele toma o elevador, entra no quarto e corre para pegar a folha digital e o gravador. A entrevista é então transcrita enquanto a jovem sonha com os efeitos de sua publicação.

Assim que a transcrição e a construção do texto final chegam aos seus fins, Maria fica a olhar o topo da tela, imaginando um título impactante para a entrevista. Por mais de meia hora, ela fica presa em um beco criativo e para tentar sair dele, volta a ouvir a gravação da entrevista. Na terceira vez que a gravação se repete, o título surge.
No topo da matéria, como título, ela escreve: Como o medo do esquecimento deu vida a eternidade de Paul Craig.
Feliz, a moça sorri.

sábado, 22 de março de 2014

Posted by T. T. Albuquerque | File under : , , , ,
Esse projeto surgiu após eu ter postado um conto em uma comunidade e ter recebido um terrível número de críticas negativas. Apesar de discordar da maioria delas, decidi ampliar a ideia e a transformar em um romance curto.
Espero que gostem e peço que me indiquem onde posso melhorar o texto.
Obrigado!


Prólogo.

O frio do deserto incomoda o homem que caminha em direção da pequena fogueira em passos rápidos. Ele se pergunta como pode ser possível que o calor causticante do dia, possa desaparecer durante a noite e dar lugar ao maldito frio. Seu humor, só piora por essa pergunta estúpida e retórica, ter lhe vindo à mente. Quando rente ao fogo, aproxima suas mãos enregeladas até as chamas e a sensação que tem é reconfortante.
O chiar do café fervendo na velha e escurecida chaleira pendurada sobre o fogo em uma armação metálica, é o único som que se opõe ao silêncio quase palpável do deserto.
O homem senta-se em uma cadeira dobrável de praia e se servindo de uma caneca de estanho, bebe do forte e amargo café, seu único apoio contra o sono que quase o domina.

Ele pensa em guardar as coisas e voltar para casa, mas após uma olhada no relógio de pulso, a ideia se mostra pouco aceitável. Ainda é muito cedo e uma noite de lua nova, quando o céu é mais escuro, não pode ser desperdiçada. Assim que o líquido da velha caneca se esgota, a figura solitária retorna ao telescópio para continuar sua vigília das estrelas.
Uma longa e por vezes desalentadora vigília.
Por vezes, ele pensa em desistir dos seus estudos. Vários pensamentos pessimistas se alojaram em seu coração após tantos anos: Quantas noites já se passaram? Quantas outras coisas poderiam ser feitas com esse tempo gasto? Quando seus esforços teriam frutos? Por que ele ainda ama tanto perscrutar o firmamento? – São as perguntas que nos últimos tempos passaram a dominar suas divagações.

Após mais duas longas horas observando galáxias e outras estruturas do cosmos, o cansaço e o desanimo acabam por vencer a vontade do homem e ele dá como encerrada a noite. Antes de começar os preparativos para partir, ele segue o seu pequeno ritual pessoal, onde por alguns poucos minutos foca o seu planeta favorito, Plutão. O mesmo que anos antes, na sua infância, foi o primeiro corpo celeste que observou através de um telescópio, no museu, ao lado de seu pai. Boas memórias, cheias de nostalgia, invadem o astrônomo, para logo serem seguidas pela lembrança de que décadas antes, o seu querido planeta fora rebaixado ao status de planetoide ou planeta anão.
-Bando de viados. Queimem no inferno. – O homem pragueja contrariado.
Ainda observando o anão de gelo e rocha, algo lhe chama a atenção, um brilho, distante e difuso, que parece estar em movimento. Por alguns momentos, o homem fica observando atentamente, como se algo sobrenatural se mostrasse na imagem incomum captada pelo telescópio. O cansaço some perante a visão do diminuto brilho e correndo, o astrônomo vai até o computador portátil que está pousado em uma pequena mesa de dobrar ao lado do velho Ford 2017 e freneticamente digita as coordenadas aproximadas do brilho, para averiguar se algum satélite ou telescópio espacial poderiam estar nas proximidades.
Durante minutos, o programa faz cálculos e correlata dados, intermináveis minutos. Assim que os resultados são expostos na tela, um sorriso de pura felicidade surge no rosto do homem. Ele retira do bolso o celular e tenta fazer uma ligação, mas o sinal é ridiculamente fraco e não importando a posição que ele busque, é impossível se comunicar. O homem entra no carro e dirigindo como um fugitivo corre para o posto de combustível mais próximo, para assim fazer uma ligação em algum telefone fixo. A viagem de pouco mais de dez quilômetros, parece ser muito mais longa para o motorista exasperado.
Quando chega ao destino, ele desce correndo do carro e praticamente salta sobre o aparelho na parede da pequena loja de conveniência, deixando o sonolento atendente assustado.
O astrônomo digita com pressa e nervosismo os números enquanto sorri abobalhado para o rapaz atrás do balcão.
A pessoa do outro lado da linha demora a atender e a quando isso ocorre, a voz tem um tom de reprovação.
-Você sabe que horas são? Sacanagem acordar os outros assim Paul.
Paul responde quase sem folego de tanta alegria e nervosismo.
-Andrew! Andrew! Eu consegui! Puta merda, eu consegui! Eu descobri!
A voz do homem no outro lado da linha toma tons de surpresa.
-Descobriu o que? Fala logo porra! O que?
O astrônomo tomado pela mais profunda alegria, deixa escapar algumas lágrimas de emoção enquanto com a voz embargada, reponde.

-Eu acho que descobri um cometa!

quinta-feira, 20 de março de 2014

Posted by T. T. Albuquerque | File under : , , ,
Novo capítulo desse projeto, onde irmãos trocam mensagens virtuais acerca de um ritual da Goétia mal fadado. Espero que gostem. Como sempre peço a todos, comentem. Obrigado!


Mensagem de dentro do círculo.

Santarém, Pará, 08 de abril de 2007.
Nessa semana, diferentemente do que vinha sendo publicado, apresentaremos uma copilação de mensagens virtuais (e-mails) trocados entre Carlos Quintas de Andrade, dezoitos anos, estudante de história na UFRJ, que desapareceu a um ano em circunstâncias incomuns e seu irmão, Augusto Quintas de Andrade, vinte e oito anos, arquiteto e morador de Palmas no Tocantins. Segundo o senhor Andrade, seu irmão caçula desapareceu após enveredar em uma espécie de seita mística. Como de costume, após a narrativa principal, apresentaremos um texto acerca do ser descrito e fotos enviadas em anexo nas mensagens pelo desaparecido e algumas produzidas pela polícia no apartamento do mesmo.

Palmas, Tocantins, 22 de março de 2007.
Boa tarde, me chamo Augusto Quintas de Andrade, sou morador de Palmas, capital do Tocantins e venho através desse texto, pedir auxílio de você, C. C. e de seu público para tentar encontrar meu irmão, este desaparecido a já um ano em circunstâncias anormais. Meu irmão após ter sido aprovado no vestibular para História na UFRJ, se mudou para o Rio, onde após seis meses desapareceu. Sabendo que o seu público é composto por pessoas de mente menos restrita que aquelas que tomaram conta do caso, decidi relatar o que sei acerca dos fatos aos quais tenho conhecimento graças a algumas mensagens que recebi por e-mail. Veja bem, sou um homem cético, não creio no sobrenatural em absoluto, mas devo admitir que os fatos falem por si e indicam algo  fora do comum. Novamente peço que caso alguma informação quanto ao que relatarei surja, algo que possa trazer nova luz ao desaparecimento de meu irmão, que ela seja encaminhada a mim. Nossa família tem sofrido muito com essa situação tão sinistra e dolorosa.
Atenciosamente,
                        A. Quintas de Andrade.

E-MAILS:

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Cheguei mano.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 03/02/06
            Cheguei ao Rio mano, tá tudo bem comigo.
A viagem foi tranquila e não tive problemas na facul para me matricular e tals.
Cara só tem mulher gata.
Abraço.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Oi mano.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 12/02/06
            Oi mano, como você tá?
Cara a faculdade é foda, tudo muito distante e tals. Difícil chegar a alguns lugares do campus, não tem condução e tals. Mas fora isso tudo de boa.
Abraço.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Conheci uma garota.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 18/02/06
            Oi mano, saudades cara.
Ontem fui a uma festa e conheci uma menina muito gata. Ele me deu maior moral e fiquei com ela. Vou ver ela hoje outra vez.
Fora isso, nada de novo.
Abraço.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Estranha.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 07/03/06
            Cara aquela menina que te dei os papos é muito estranha. Ela curte uns lances de magia e tals. A casa dela é sinistra. Mas é maior gostosa e tem o papo legal. Acho que tô me apaixonando. Tô bem e meio que feliz saca?
Saudades suas mano.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Estudando magia.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 19/03/06
            A Alice me emprestou uns livros dela sobre religião e magia. Uns lances estranhos pra caralho. Mas pra agradar ela tenho lido e até que é interessante. Tô lendo um livro chamado "A goétia", diz que com ele dá pra invocar espíritos e tals. É bem estranho.
Abraço mano, saudades.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Sinistro.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 27/03/06
            Cara fui com a Alice para uma festa da tal religião dela. Porra mano, muito sinistro. Teve todo um lance sado-masô durante toda a noite e uma espécie de missa que quando acabou deu lugar a uma suruba muito louca, mas não deixei nenhum cara pegar a Alice não. Mas ela deixou uma amiga ficar com a gente. Foi foda mano! Só não foi melhor por que a mina tava com uma máscara de bode. Porra escrota do caralho de sinistro. Maior lance satanista.
Saudades de você.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Relaxa mano.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 05/04/06
            Cara relaxa. TÁ TUDO BEM. Deixa de ser retrógrado e moralista. Sou jovem, mas sei o que quero da vida. Amo a Alice e ela também me ama. Porra é só um lance de religião. Se você estudasse história das civilizações entenderia essa merda. Para de frescura que tô bem. Porra, o pai cagou na minha cabeça por sua causa.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Beleza.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 18/04/06
            Tá beleza então fica combinado que nossos papos são só nossos. Porra, tu é meu mano seu puto e eu te amo cara. Viado do caralho. A Alice e eu temos estudado e praticado muito do que ela têm me ensinado. Semana que vem vamos a outra festa tipo aquela que te falei. Tá tudo bem na facul e estou feliz.
Abraço, saudade de tu.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Festa muito louca.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 27/04/06
            Cara que festa foda! Rolou todo aquele lance que eu tinha te falado, a missa e o sado-masô, mas na hora da suruba, a Alice me algemou e QUATRO garotas me atacaram. Porra mano foi demais! Tô acabado desde então. Fui convidado para fazer parte da seita. Vou entrar nela com certeza. De novo o que não gostei foi o lance das máscaras de bode e tals, mas é um lance pagão da seita.
Abraço.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Iniciado.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 02/05/06
            Ontem fui iniciado na seita, a Alice está feliz e eu também. Recebi uns livros e apetrechos de presente para fazer um ritual goético. Ainda não sei quando vou fazer, acho que depois das provas. Outra vez rolou o lance da comunhão, mas dessa vez só a Alice ficou comigo. Foi estranho, todo mundo ficou só nos olhando transar. Tô bem e muito feliz.
Abraço.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Primeira tentativa.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 08/05/06
            Oi mano, tudo bem? As provas acabaram e acho que me dei bem. Não tenho tido tempo para escrever. Estou bem e feliz. A Alice tem ficado aqui em casa durante os fins de semana. Amanhã vou tentar executar o ritual pela primeira vez, não sei qual espírito da Goétia devo evocar, mas a Alice disse que o melhor seria Paimon. Vamos ver.
Saudades suas seu puto.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Relaxa que nem funcionou.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 11/05/06
            Relaxa mano ou vamos ter que ter todo aquele papo outra vez? Porra cara é só um lance religioso de origem pagã, nada demais. Ontem fiz o ritual, preparei tudo nos conformes e nada. Fiz o selo, o círculo de proteção, velas, espada e tudo o mais. Para que? Nada. Senti-me um ridículo e ri pra cacete. A Alice ficou puta comigo e não nos falamos desde ontem. É foda gostar dos outros.
Abraço.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Fim do meu namoro.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 15/05/06
            Alice terminou comigo, ficou puta por que eu não levo a sério a seita. Que se foda a merda da seita. Porra mano tô na merda. Mal mesmo. Tenho bebido pra caralho e tido uns sonhos loucos. Saudades.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Parada estranha.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 21/05/06
            Cara tá rolando uma parada muito estranha comigo. Tenho visto vultos e ouvidos vozes me chamando durante a noite. E eu parei de beber, tenho percebido isso que tô falando bem sóbrio. Liguei pra Alice e contei o que tô te falando e ela disse que é bem feito por eu ser um babaca que não tem respeito. Estou bem nervoso com isso.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Eu vi.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 25/05/06
            Porra cara eu vi! Ontem tinha uma coisa pendurada na estante da sala! Me caguei de medo e corri pra rua, só voltei quando um amigo veio e entrou comigo. Ele não viu nada. Ficou aqui em casa durante a noite e fomos juntos pra facul. Hoje tudo rolou tranquilamente. Liguei outra vez pra Alice e dessa vez ela nem me atendeu. Estou com medo mano. Muito.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Como era.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 27/05/06
            Cara é dificíl explicar, era tipo uma cabeça de um velho, muito feia, cheia de braços peludos e longos, que tava pendurada na estante. Quando entrei ela olhou pra mim e colocou uma língua enorme para fora tipo tentando me agarrar. Os olhos eram duas bocas cheias de uns dentes finos, tipo umas agulhas. Cara era muito real. Corri feito um foguete. Não vi ou ouvi mais nada desde esse dia. Ainda estou com medo, mas bem. Vou ler umas coisas aqui e acho que posso resolver isso.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Deu merda.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 28/05/06
            Deu merda mano. Merda grande. Eu fiz o tal ritual e vi nada, se lembra? O espírito que eu chamei era a coisa que vi lá em casa. E ela tá puta comigo por que eu não cumpri o que prometi e não mostrei respeito. O mestre da seita disse que eu tenho que fazer o ritual outra vez e usar o selo para ameaçar o espirito. Porra, não acho o selo em lugar nenhum. Cara tô com muito medo. Muito mesmo. Buer é um espírito razoável, mas quando fica puto é ruim pra cacete segundo o mestre falou.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto: Antes do ritual.
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 28/05/06
            Vou começar o ritual depois que enviar essa mensagem. Mano eu estou ouvindo vozes me chamando agora mesmo enquanto te escrevo. Porra não achei o selo e sem ele tô fudido. Te amo cara. Assim que terminar eu mando outra mensagem.

De: carlosdark@boul.com.br
Assunto:
Para: aqandrade@andradearquitetura.com.br
Data: 28/05/06
            socorro mano o demonio ta tentando me pegar  ele ta tentando entrar aqui
socorro
to dentro do circulo de proteçao e ele ta tentando quebrar
socorro
eu vou morrer


Buer.

De acordo com a Goétia ou Goécia, sistema mágico de invocação de espíritos infernais, que segundo a tradição judaico-cristã, foi ensinado ao Rei Salomão por anjos, Buer seria um espírito infernal, que ocuparia um dos cargos de presidente no Inferno. Ele comandaria cinquenta legiões, ensinaria filosofia, lógica, farmacologia, medicina e concederia bons espíritos de companhia (familiares). Segundo o Ars Goétia, ele teria a forma de uma quimera com cabeça de leão e um corpo cercado por patas de bode, com o qual se moveria velozmente.

Foto: Alice e eu.
Na foto, Carlos e uma moça, provavelmente Alice. Ambos estão sentados em uma mesa de bar no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Parecem meio embriagados.

Foto: O selo.
Na foto, Carlos sorrindo para a câmera, segura um círculo de metal com alguns desenhos geometricos. Ao seu redor, vários apetrechos que parecem ter caráter religioso.

Foto: A casa de Carlos.
Na foto tirada pela polícia, se vê a sala da casa de Carlos, completamente destruída. Manchas de sangue, marcas de pegadas e impressões manuais estão espalhadas por todo o lugar.

Foto: Pegada estranha.
Na foto tirada pela polícia, se vê uma estranha pegada impressa no carpete. Uma espécie de mão enorme e delgada que segue em sentido retilíneo rumo ao quarto do desaparecido. A marca parece uma impressão de pneu em sua disposição.

Agradecemos o senhor Andrade pelo sua contribuição e pedimos que caso algum de nossos leitores tenha conhecimento sobre o caso, que nos informe para que juntos possamos auxiliar o desenrolar do mesmo. Novamente nos dispomos a enviar aos leitores os arquivos originais assim que requeridos, de pronto, via e-mail. Segundo a polícia, a moça que figura no relato, também está desaparecida e a localização da sede da seita não foi encontrada.


C. C. de Carvalho - Jornalista