O primeiro capítulo desse projeto, onde alguns dos personagens são apresentados e outros mais trabalhados. Espero que gostem e peço, comentem. Obrigado!
Uma entrevista.
A jovem
está cansada da viagem e da espera. Ela pensa em deitar na cama do quarto de
hotel e dormir, mas se mantém firme. O compromisso de hoje pode mudar sua vida.
Como repórter, será a sua maior chance de conseguir fama, crescimento
profissional e quem sabe, com um pouco mais de sorte, fazer a história.
Ela ainda
não consegue acreditar que graças a um amigo da internet, tenha conseguido uma
entrevista exclusiva com o homem do momento, Paul Craig, o astrônomo.
A moça
sempre gostou de Andrew, um rapaz divertido e inteligente que conheceu em um
fórum na internet, mas nunca pensou que essa amizade seria tão importante como
provou ser. Seu amigo virtual é sobrinho do astrônomo e foi graças à ajuda dele
que a jovem poderá entrevistar o homem, que segundo a imprensa internacional, é
um exemplo de obstinação e espírito cientifico, a pessoa que descobriu a
esperança da humanidade.
Após um
atraso de mais de duas horas, a jornalista, pensa que seu entrevistado não virá
e quando já com o celular em mãos para ligar para Andrew e descobrir o motivo
do cancelamento da entrevista, ela escuta batidas na porta do quarto de hotel.
Cheia de nervosismo, a jovem corre até a porta e a abre, um homem alto, está em
pé na soleira da porta.
Com um
sorriso amarelo, Paul se explica.
-Desculpe o
atraso, mas foi difícil passar pelo hall do hotel. Todo mundo quer uma foto
minha para colocar na internet.
Tentando
conter sua alegria e excitação, a jovem jornalista responde.
-Não há
problema senhor Craig. Por favor, entre.
O homem
sorri e entra no quarto. Enquanto a jovem fecha a porta, ela estuda a aparência
do homem. Ele se veste de forma simples, uma camiseta antiga de uma banda de
rock pré-guerra, um jeans preto desbotado e um boné dos Giants. Sua expressão é
uma mescla de satisfação pessoal, cansaço e tristeza. Apesar de ter quarenta e
dois anos, sua barba e cabelo, já cheios de fios grisalhos e por aparar, fazem
o homem aparentar ser mais velho em dez anos ou mais.
A
jornalista se aproxima do astrônomo e estende sua mão em cumprimento.
-Muito
obrigado por ter vindo senhor Craig. Meu nome é Maria Clara Silva. É uma honra
lhe conhecer pessoalmente.
Paul parece
ficar desconfortável com o cumprimento.
-Ora, isso
não é nada demais. Andrew me falou sobre você e de que como uma entrevista
comigo seria boa para sua carreira. Não vi o porquê de não a conceder.
Maria
aponta uma poltrona em um canto do quarto, como se convidando o homem para
sentar-se.
-Por favor,
senhor Craig, fique a vontade.
A jovem se
dirige até um armário e de lá retorna, trazendo nas mãos, uma folha digital e
uma câmera fotográfica profissional. Ela coloca ambos os objetos sobre uma
pequena mesa disposta ao lado da poltrona onde o astrônomo está sentado e
senta-se em outra logo ao lado.
-Podemos
começar então?
Paul acena
positivamente com a cabeça.
-Podemos
sim, mas antes, gostaria de perguntar algo. Pode ser?
Com a
expressão cheia surpresa, a jovem concorda.
-Claro.
O homem
puxa do bolso um maço de cigarros e o inspeciona por alguns segundos.
-Eu iria
perguntar se você se incomodaria que eu fumasse, mas os cigarros acabaram.
A jovem
sorri e puxando do bolso de sua calça um maço lacrado, brinca.
-Só me
incomodaria se eu não pudesse fumar também.
Ela abre o
pequeno pacote, retira um cigarro e estende o restante na direção de Paul. O
astrônomo retira um cigarro e coloca o maço sobre a mesa, junto dos demais
objetos. Ele olha para o cigarro de forma inquisidora.
-Que raio
de marca é essa? “Palha de Pita”. Não conheço. É brasileira?
Enquanto
acende o seu cigarro, Maria responde.
-Sim, minha
marca favorita. Meu pai fumava quando ainda era vivo.
Após
acender o cigarro e dar a primeira tragada, o homem tosse como se sufocado pela
fumaça.
-Nossa!
Isso é forte como um charuto.
A moça
sorri da afirmação e o homem, meio que envergonhado, continua.
-Como você
conheceu o Andrew? Ele costuma falar sobre você, mas eu não sabia que era
estrangeira. Pensei ser alguém do trabalho ou faculdade.
Após uma
longa tragada, a jornalista esclarece.
-Conheci o
Andrew em um fórum na internet para órfãos da Guerra da Amazônia. Nossa
história é um pouco parecida e os nossos gostos também. Isso meio que criou um
elo entre nós. Acho que isso é algo natural hoje em dia.
Paul acena
positivamente com a cabeça enquanto sopra anéis de fumaça pela boca.
-Entendo.
Isso explica muita coisa.
A expressão
da jornalista se enche de surpresa.
-Como
assim?
Apagando o
cigarro, enquanto acende outro, o homem explica.
-Os pais de
Andrew serviram na merda da invasão da Amazônia. Ele foi deixado comigo, e
sinceramente, eu nunca fui o tipo paterno ou que fala sobre os sentimentos
alheios. Quando o pai dele morreu, em um lugar chamado Algodoal, eu acho, ele
ficou muito mal, mas se segurou bem. Foi só quando a mãe morreu, dois anos
depois, durante a invasão do Rio de Janeiro, que ele quase surtou. E eu fui de
pouca ajuda.
Paul dá
mais uma longa tragada no cigarro.
-E tentei
ajudar, mas não conseguia. Tivemos problemas. Ele usou drogas, cometeu alguns
delitos e foi preso. As coisas só melhoraram quando eu consegui o convencer a
ir a um grupo de ajuda. Depois disso, ele passou a se comunicar com pessoas
pelo mundo via internet. Ele se fechou para mim, mas ficou melhor, e isso
basta. E seus pais? Como morreram?
Maria fica
por alguns segundos, pensativa, lembrando-se de algo ocorrido há muito tempo e
após uma ultima tragada, apaga seu cigarro.
-Meu pai
morreu durante a retomada de Goiás e minha mãe em uma explosão em São Paulo.
Andrew é um amigo muito querido, ele sempre foi muito gentil.
O homem
sorri de forma melancólica.
-Ele gosta
muito de você, ficaria muito chateado comigo se eu não viesse. Fico feliz que
ele tenha amigos que possam o entender.
Maria
acende outro cigarro.
-Podemos
começar a entrevista então?
O astrônomo
sorri enquanto sopra anéis de fumaça que se desfazem pelo ar.
-Claro.
Pode começar.
A jovem
pega a folha digital sobre a mesa e a liga. Assim que o aparelho passa a
funcionar, é passado para Paul, que meio surpreso o segura.
-Eu nunca
me acostumei com essas coisas, na minha infância, havia algo parecido chamado
de “tablet”, mas era bem mais pesado e rígido. Essas folhas digitais são muito
estranhas em minha opinião.
O homem
olha para uma série de notícias sobre a sua descoberta e sobre si mesmo. Ele
acaba ficando meio constrangido.
-O que você
quer que eu veja aqui?
Maria segura
a máquina fotográfica e tira uma foto do homem. Ele é pego de surpresa.
-Nada, só
queria poder compor uma boa imagem para a entrevista.
Paul coloca
a folha digital sobre a mesa e acende outro cigarro. Parece um pouco irritado
com a foto. A jovem observa a imagem capturada no visor do aparelho e fica
satisfeita.
-Bom. Ficou
boa.
O astrônomo
fica em silencio fumando, esperando as perguntas e elas, logo chegam.
-Não vou
tomar muito mais do seu tempo senhor Craig. Todo mundo já lhe perguntou sobre
quase tudo, então a minha entrevista vai se resumir a duas perguntas. OK?
Paul acena
positivamente, ao ver isso, a jornalista continua.
-Ótimo.
Então lá vai. Como o senhor percebe sua importância na história humana?
O homem
encara a moça durante alguns minutos, em silencio. O ar parece pesar.
-Não sei
dizer ao certo. Acho que pouca, muito pouca, na verdade. Mas de toda forma, eu
acabei por conseguir um pouco de paz com isso.
Maria fica
surpresa com a afirmação.
-Como
assim?
Mais um
cigarro é acesso pelo homem.
-Me deixe
tentar explicar...
Paul parece
confuso e por alguns minutos, fica pensando na resposta enquanto termina o
cigarro. Ao acender mais um, ele continua.
-Todos nós,
um dia, iremos morrer. Tudo um dia deixará de existir, a Terra, as estrelas, o
universo, enfim, tudo. Nós sabemos desse fato e apesar disso, de saber que
todos os nossos esforços são, na prática em vão, nós estudamos, criamos e
filosofamos. Por quê? Por que queremos a eternidade.
A expressão
da moça é de pura dúvida.
-Veja bem
Maria. Nós nunca alcançaremos a eternidade da carne, somos regidos por leis
biológicas e físicas que impedem isso, no entanto, somos capazes de viver
indefinidamente na memória das pessoas. Essa é a única eternidade que podemos
ter.
A
jornalista ainda mantém a expressão de dúvida na face.
-Por favor,
explique melhor.
Paul sorri.
-Para mim,
a morte não é o fim das funções biológicas. A morte é o esquecimento. Quando
você é esquecido, você tipo que desaparece, é como se de alguma forma você
jamais houvesse existido. Isso me causa horror, o esquecimento, e a única forma
de não ser esquecido, é tendo contribuído para a história humana. Só assim
alguém vira verbete em alguma enciclopédia. Só assim alcançamos a eternidade.
Só assim vivemos longe da total aniquilação no vazio do esquecimento. Eu tive
sorte, virei verbete na internet. Eu consegui ser imortal de certa forma e isso
me deu alguma paz.
Maria fica
boquiaberta ante a explicação e o astrônomo, envergonhado diz.
-Muito
mesquinha essa minha visão, não é?
Após se
recompor da surpresa, a jovem continua a entrevista.
-Na verdade
não. Foi apenas surpreendente. Geralmente as pessoas não usam dessa franqueza e
se escudam em desculpas como o bem da humanidade, amor, virtude, avanço
científico ou conhecimento. Realmente foi uma surpresa. Podemos continuar?
A chama do
isqueiro acende outro cigarro nas mãos do homem, que com mais um gesto positivo
com a cabeça, afirma que sim. A jovem pergunta.
-O senhor acredita
que sua descoberta será tida como a mais importante desse século, pelas
gerações futuras?
Paul deixa
escapar uma risada ríspida.
-Claro que
não. As pessoas são modistas e fúteis. Eu tenho firme convicção que isso não
mudará no futuro, na verdade penso que só irá piorar. A guerra acabou há apenas
dezoito anos e a atual geração pouco se importa com o que aconteceu. Os garotos
pensam que a guerra não é problema deles, que é uma coisa de gente velha e
amarga. Não entendem como a guerra mudou o mundo, como ela o deixou ainda pior.
Assim que descobrirem alguma droga nova ou uma moda surgir, esquecerão-se do
cometa e de mim. É a natureza humana. Por sorte, terão que ler sobre nós
durante as aulas e nos xingar, por os fazer perder tempo conosco. Isso é tipo
que uma vingança para mim.
A moça ri
ao imaginar a ideia.
Assim que o
cigarro termina, Paul ergue-se da poltrona e deixa escapar um tom de desanimo
em sua voz.
-Agora,
após essa entrevista, as pessoas com certeza pedirão menos por uma foto comigo.
Mas hoje, ainda me farão perder muito tempo tirando fotos para as mídias
sociais e eu estou realmente cansado. Podemos encerrar por aqui?
A
jornalista sorri de satisfação.
- Claro. Obrigado
senhor Craig, essa entrevista foi realmente fantástica. Muito reveladora. E
sinto, mas discordo, as pessoas o verão como um ser humano normal, cheio de
medos e incertezas, e isso irá as aproximar ainda mais do senhor.
Pousando a
guimba no cinzeiro já repleto, sobre a mesa, o homem se encaminha para a porta
do quarto enquanto é seguido pela moça. Ao abrir a porta do quarto de hotel
ele, entre um sorriso, diz.
-Espero ter
ajudado e de não ter sido muito chato. Pretende visitar o Andrew? Ele gostaria
muito disso.
Maria
estende a mão em cumprimento de adeus.
-Muito
obrigado senhor Craig, realmente foi uma entrevista muito boa. Eu irei sim,
depois de amanhã.
O homem
aperta a mão da jovem.
-Agora
preciso ir, foi um prazer Maria.
A
jornalista sorri ao se despedir de Paul e assim que ele toma o elevador, entra
no quarto e corre para pegar a folha digital e o gravador. A entrevista é então
transcrita enquanto a jovem sonha com os efeitos de sua publicação.
Assim que a
transcrição e a construção do texto final chegam aos seus fins, Maria fica a
olhar o topo da tela, imaginando um título impactante para a entrevista. Por
mais de meia hora, ela fica presa em um beco criativo e para tentar sair dele,
volta a ouvir a gravação da entrevista. Na terceira vez que a gravação se
repete, o título surge.
No topo da
matéria, como título, ela escreve: Como o medo do esquecimento deu vida a
eternidade de Paul Craig.
Feliz, a
moça sorri. A jovem
está cansada da viagem e da espera. Ela pensa em deitar na cama do quarto de
hotel e dormir, mas se mantém firme. O compromisso de hoje pode mudar sua vida.
Como repórter, será a sua maior chance de conseguir fama, crescimento
profissional e quem sabe, com um pouco mais de sorte, fazer a história.
Ela ainda
não consegue acreditar que graças a um amigo da internet, tenha conseguido uma
entrevista exclusiva com o homem do momento, Paul Craig, o astrônomo.
A moça
sempre gostou de Andrew, um rapaz divertido e inteligente que conheceu em um
fórum na internet, mas nunca pensou que essa amizade seria tão importante como
provou ser. Seu amigo virtual é sobrinho do astrônomo e foi graças à ajuda dele
que a jovem poderá entrevistar o homem, que segundo a imprensa internacional, é
um exemplo de obstinação e espírito cientifico, a pessoa que descobriu a
esperança da humanidade.
Após um
atraso de mais de duas horas, a jornalista, pensa que seu entrevistado não virá
e quando já com o celular em mãos para ligar para Andrew e descobrir o motivo
do cancelamento da entrevista, ela escuta batidas na porta do quarto de hotel.
Cheia de nervosismo, a jovem corre até a porta e a abre, um homem alto, está em
pé na soleira da porta.
Com um
sorriso amarelo, Paul se explica.
-Desculpe o
atraso, mas foi difícil passar pelo hall do hotel. Todo mundo quer uma foto
minha para colocar na internet.
Tentando
conter sua alegria e excitação, a jovem jornalista responde.
-Não há
problema senhor Craig. Por favor, entre.
O homem
sorri e entra no quarto. Enquanto a jovem fecha a porta, ela estuda a aparência
do homem. Ele se veste de forma simples, uma camiseta antiga de uma banda de
rock pré-guerra, um jeans preto desbotado e um boné dos Giants. Sua expressão é
uma mescla de satisfação pessoal, cansaço e tristeza. Apesar de ter quarenta e
dois anos, sua barba e cabelo, já cheios de fios grisalhos e por aparar, fazem
o homem aparentar ser mais velho em dez anos ou mais.
A
jornalista se aproxima do astrônomo e estende sua mão em cumprimento.
-Muito
obrigado por ter vindo senhor Craig. Meu nome é Maria Clara Silva. É uma honra
lhe conhecer pessoalmente.
Paul parece
ficar desconfortável com o cumprimento.
-Ora, isso
não é nada demais. Andrew me falou sobre você e de que como uma entrevista
comigo seria boa para sua carreira. Não vi o porquê de não a conceder.
Maria
aponta uma poltrona em um canto do quarto, como se convidando o homem para
sentar-se.
-Por favor,
senhor Craig, fique a vontade.
A jovem se
dirige até um armário e de lá retorna, trazendo nas mãos, uma folha digital e
uma câmera fotográfica profissional. Ela coloca ambos os objetos sobre uma
pequena mesa disposta ao lado da poltrona onde o astrônomo está sentado e
senta-se em outra logo ao lado.
-Podemos
começar então?
Paul acena
positivamente com a cabeça.
-Podemos
sim, mas antes, gostaria de perguntar algo. Pode ser?
Com a
expressão cheia surpresa, a jovem concorda.
-Claro.
O homem
puxa do bolso um maço de cigarros e o inspeciona por alguns segundos.
-Eu iria
perguntar se você se incomodaria que eu fumasse, mas os cigarros acabaram.
A jovem
sorri e puxando do bolso de sua calça um maço lacrado, brinca.
-Só me
incomodaria se eu não pudesse fumar também.
Ela abre o
pequeno pacote, retira um cigarro e estende o restante na direção de Paul. O
astrônomo retira um cigarro e coloca o maço sobre a mesa, junto dos demais
objetos. Ele olha para o cigarro de forma inquisidora.
-Que raio
de marca é essa? “Palha de Pita”. Não conheço. É brasileira?
Enquanto
acende o seu cigarro, Maria responde.
-Sim, minha
marca favorita. Meu pai fumava quando ainda era vivo.
Após
acender o cigarro e dar a primeira tragada, o homem tosse como se sufocado pela
fumaça.
-Nossa!
Isso é forte como um charuto.
A moça
sorri da afirmação e o homem, meio que envergonhado, continua.
-Como você
conheceu o Andrew? Ele costuma falar sobre você, mas eu não sabia que era
estrangeira. Pensei ser alguém do trabalho ou faculdade.
Após uma
longa tragada, a jornalista esclarece.
-Conheci o
Andrew em um fórum na internet para órfãos da Guerra da Amazônia. Nossa
história é um pouco parecida e os nossos gostos também. Isso meio que criou um
elo entre nós. Acho que isso é algo natural hoje em dia.
Paul acena
positivamente com a cabeça enquanto sopra anéis de fumaça pela boca.
-Entendo.
Isso explica muita coisa.
A expressão
da jornalista se enche de surpresa.
-Como
assim?
Apagando o
cigarro, enquanto acende outro, o homem explica.
-Os pais de
Andrew serviram na merda da invasão da Amazônia. Ele foi deixado comigo, e
sinceramente, eu nunca fui o tipo paterno ou que fala sobre os sentimentos
alheios. Quando o pai dele morreu, em um lugar chamado Algodoal, eu acho, ele
ficou muito mal, mas se segurou bem. Foi só quando a mãe morreu, dois anos
depois, durante a invasão do Rio de Janeiro, que ele quase surtou. E eu fui de
pouca ajuda.
Paul dá
mais uma longa tragada no cigarro.
-E tentei
ajudar, mas não conseguia. Tivemos problemas. Ele usou drogas, cometeu alguns
delitos e foi preso. As coisas só melhoraram quando eu consegui o convencer a
ir a um grupo de ajuda. Depois disso, ele passou a se comunicar com pessoas
pelo mundo via internet. Ele se fechou para mim, mas ficou melhor, e isso
basta. E seus pais? Como morreram?
Maria fica
por alguns segundos, pensativa, lembrando-se de algo ocorrido há muito tempo e
após uma ultima tragada, apaga seu cigarro.
-Meu pai
morreu durante a retomada de Goiás e minha mãe em uma explosão em São Paulo.
Andrew é um amigo muito querido, ele sempre foi muito gentil.
O homem
sorri de forma melancólica.
-Ele gosta
muito de você, ficaria muito chateado comigo se eu não viesse. Fico feliz que
ele tenha amigos que possam o entender.
Maria
acende outro cigarro.
-Podemos
começar a entrevista então?
O astrônomo
sorri enquanto sopra anéis de fumaça que se desfazem pelo ar.
-Claro.
Pode começar.
A jovem
pega a folha digital sobre a mesa e a liga. Assim que o aparelho passa a
funcionar, é passado para Paul, que meio surpreso o segura.
-Eu nunca
me acostumei com essas coisas, na minha infância, havia algo parecido chamado
de “tablet”, mas era bem mais pesado e rígido. Essas folhas digitais são muito
estranhas em minha opinião.
O homem
olha para uma série de notícias sobre a sua descoberta e sobre si mesmo. Ele
acaba ficando meio constrangido.
-O que você
quer que eu veja aqui?
Maria segura
a máquina fotográfica e tira uma foto do homem. Ele é pego de surpresa.
-Nada, só
queria poder compor uma boa imagem para a entrevista.
Paul coloca
a folha digital sobre a mesa e acende outro cigarro. Parece um pouco irritado
com a foto. A jovem observa a imagem capturada no visor do aparelho e fica
satisfeita.
-Bom. Ficou
boa.
O astrônomo
fica em silencio fumando, esperando as perguntas e elas, logo chegam.
-Não vou
tomar muito mais do seu tempo senhor Craig. Todo mundo já lhe perguntou sobre
quase tudo, então a minha entrevista vai se resumir a duas perguntas. OK?
Paul acena
positivamente, ao ver isso, a jornalista continua.
-Ótimo.
Então lá vai. Como o senhor percebe sua importância na história humana?
O homem
encara a moça durante alguns minutos, em silencio. O ar parece pesar.
-Não sei
dizer ao certo. Acho que pouca, muito pouca, na verdade. Mas de toda forma, eu
acabei por conseguir um pouco de paz com isso.
Maria fica
surpresa com a afirmação.
-Como
assim?
Mais um
cigarro é acesso pelo homem.
-Me deixe
tentar explicar...
Paul parece
confuso e por alguns minutos, fica pensando na resposta enquanto termina o
cigarro. Ao acender mais um, ele continua.
-Todos nós,
um dia, iremos morrer. Tudo um dia deixará de existir, a Terra, as estrelas, o
universo, enfim, tudo. Nós sabemos desse fato e apesar disso, de saber que
todos os nossos esforços são, na prática em vão, nós estudamos, criamos e
filosofamos. Por quê? Por que queremos a eternidade.
A expressão
da moça é de pura dúvida.
-Veja bem
Maria. Nós nunca alcançaremos a eternidade da carne, somos regidos por leis
biológicas e físicas que impedem isso, no entanto, somos capazes de viver
indefinidamente na memória das pessoas. Essa é a única eternidade que podemos
ter.
A
jornalista ainda mantém a expressão de dúvida na face.
-Por favor,
explique melhor.
Paul sorri.
-Para mim,
a morte não é o fim das funções biológicas. A morte é o esquecimento. Quando
você é esquecido, você tipo que desaparece, é como se de alguma forma você
jamais houvesse existido. Isso me causa horror, o esquecimento, e a única forma
de não ser esquecido, é tendo contribuído para a história humana. Só assim
alguém vira verbete em alguma enciclopédia. Só assim alcançamos a eternidade.
Só assim vivemos longe da total aniquilação no vazio do esquecimento. Eu tive
sorte, virei verbete na internet. Eu consegui ser imortal de certa forma e isso
me deu alguma paz.
Maria fica
boquiaberta ante a explicação e o astrônomo, envergonhado diz.
-Muito
mesquinha essa minha visão, não é?
Após se
recompor da surpresa, a jovem continua a entrevista.
-Na verdade
não. Foi apenas surpreendente. Geralmente as pessoas não usam dessa franqueza e
se escudam em desculpas como o bem da humanidade, amor, virtude, avanço
científico ou conhecimento. Realmente foi uma surpresa. Podemos continuar?
A chama do
isqueiro acende outro cigarro nas mãos do homem, que com mais um gesto positivo
com a cabeça, afirma que sim. A jovem pergunta.
-O senhor acredita
que sua descoberta será tida como a mais importante desse século, pelas
gerações futuras?
Paul deixa
escapar uma risada ríspida.
-Claro que
não. As pessoas são modistas e fúteis. Eu tenho firme convicção que isso não
mudará no futuro, na verdade penso que só irá piorar. A guerra acabou há apenas
dezoito anos e a atual geração pouco se importa com o que aconteceu. Os garotos
pensam que a guerra não é problema deles, que é uma coisa de gente velha e
amarga. Não entendem como a guerra mudou o mundo, como ela o deixou ainda pior.
Assim que descobrirem alguma droga nova ou uma moda surgir, esquecerão-se do
cometa e de mim. É a natureza humana. Por sorte, terão que ler sobre nós
durante as aulas e nos xingar, por os fazer perder tempo conosco. Isso é tipo
que uma vingança para mim.
A moça ri
ao imaginar a ideia.
Assim que o
cigarro termina, Paul ergue-se da poltrona e deixa escapar um tom de desanimo
em sua voz.
-Agora,
após essa entrevista, as pessoas com certeza pedirão menos por uma foto comigo.
Mas hoje, ainda me farão perder muito tempo tirando fotos para as mídias
sociais e eu estou realmente cansado. Podemos encerrar por aqui?
A
jornalista sorri de satisfação.
- Claro. Obrigado
senhor Craig, essa entrevista foi realmente fantástica. Muito reveladora. E
sinto, mas discordo, as pessoas o verão como um ser humano normal, cheio de
medos e incertezas, e isso irá as aproximar ainda mais do senhor.
Pousando a
guimba no cinzeiro já repleto, sobre a mesa, o homem se encaminha para a porta
do quarto enquanto é seguido pela moça. Ao abrir a porta do quarto de hotel
ele, entre um sorriso, diz.
-Espero ter
ajudado e de não ter sido muito chato. Pretende visitar o Andrew? Ele gostaria
muito disso.
Maria
estende a mão em cumprimento de adeus.
-Muito
obrigado senhor Craig, realmente foi uma entrevista muito boa. Eu irei sim,
depois de amanhã.
O homem
aperta a mão da jovem.
-Agora
preciso ir, foi um prazer Maria.
A
jornalista sorri ao se despedir de Paul e assim que ele toma o elevador, entra
no quarto e corre para pegar a folha digital e o gravador. A entrevista é então
transcrita enquanto a jovem sonha com os efeitos de sua publicação.
Assim que a
transcrição e a construção do texto final chegam aos seus fins, Maria fica a
olhar o topo da tela, imaginando um título impactante para a entrevista. Por
mais de meia hora, ela fica presa em um beco criativo e para tentar sair dele,
volta a ouvir a gravação da entrevista. Na terceira vez que a gravação se
repete, o título surge.
No topo da
matéria, como título, ela escreve: Como o medo do esquecimento deu vida a
eternidade de Paul Craig.
Feliz, a
moça sorri.
Olá! Gostei da manutenção do clima despojado, como foi repassado no prólogo. Os diálogos são bons, sucintos e deixam transparecer o entorno do universo o qual a trama se passa. Gostei da xará e os pareceres do Paul sobre a sociedade é bem real. Um abraço. Vou ficar aguardando mais capítulos.
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