quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Posted by T. T. Albuquerque | File under : , , , ,

Após um bom tempo sem trabalhar nesse projeto, finalmente apresento um novo capítulo, onde o último personagem chave da trama é apresentado.

Espero que gostem e como sempre, peço que critiquem.

Obrigado!


Alguém amargo.

A sala de reuniões está cheia. Técnicos e cientistas se acotovelam no pouco espaço disposto, enquanto esperam o início da reunião programada às pressas. Eles aguardam a chegada dos membros da equipe, criada pela ONU, para atuar sobre a descoberta do Cometa Craig.

Todos discutem acerca das possibilidades que a estrela errante pode apresentar para a sobrevivência da espécie humana e as dificuldades em utilizá-la para tanto. O ambiente é preenchido por uma balbúrdia de vários sotaques, que usando da língua inglesa, vociferam pontos de vista quase sempre discordantes e de um cheiro odioso de suor, café e cigarros misturados.

Recostados a um canto da sala, dois homens conversam entre baforadas de cigarro. Um deles é alto, de meia idade, com cabelos longos e desalinhados. Veste-se com um terno, cujos melhores dias já passaram, que lhe dá um aspecto de descuido. O outro é ligeiramente mais baixo, ainda na casa dos vinte, com cabelos raspados em um corte militar. Ele enverga um uniforme perfeitamente alinhado a sua silhueta atlética.

O mais jovem parece contrariado.
-Odeio essas reuniões montadas às pressas. Sempre muito falatório e pouca ação, sem contar esses pomposos que se pensam os senhores da ciência. Nunca colocaram o rabo fora do planeta e pensam saber alguma merda.

Deixando escapar um sorriso, o homem de terno parece se divertir com o militar.
-Eles sabem Santiago, mas apenas na teoria. O que não é nenhum demérito, pois sem a teoria deles, os militares nunca teriam a chance de colocar o rabo no espaço.

Santiago olha contrariado para o homem que sorri ao seu lado.
-Você sempre tenta ser engraçado Demitri, pena nunca conseguir. Por que esses merdas ainda não chegaram? Cada minuto perdido falando, menos chances temos de buscar a merda do gelo.

Demitri dá de ombros. A frase de Santiago só faz seu sorriso aumentar.
-Por isso deixei o exército, os militares não tem senso de humor. Quanto à demora: Não faço idéia, mas sempre é assim, acho que dessa forma o alto escalão se sente mais importante.

O militar deixa cair a guimba de seu cigarro no chão e como se querendo a punir, pisa com violência.
-Bando de inúteis, é o que são. Pelo dito, a missão será uma cópia barata de um filme velho. Mandar várias equipes para o espaço interceptar o gelo e rebocá-lo até o planeta. Acha que vai dar certo?

O russo retira do bolso um maço de cigarros e oferece ao militar ranzinza.
-Não sei, mas pro Bruce Willys, deu certo.

Santiago, já muito irritado, cruza os braços sobre o peito, ignorando o maço estendido em sua direção.
-Não fode Demitri. Onde esses merdas se meteram que não chegam?

O homem de terno retira um cigarro do maço e o acende na guimba que ainda tem nos lábios.
-Sei lá. Mas sabendo que o Silva é o responsável pelo projeto, não deve demorar muito mais.

O jovem oficial faz uma careta, como se perguntando quem é a pessoa mencionada. Demitri, jogando o restolho do cigarro fumado e colocando o recém-aceso nos lábios, explica.
-Silva... O cara é um gênio em astro física, física quântica e química. Já foi indicado a dois Nobels e é considerado o Einstein da atualidade. Um camarada amargo e frio pra cacete, mais parece uma máquina. Já trabalhei com ele uma vez, é uma pessoa difícil de conviver.

Santiago estende a mão em um gesto pedindo por cigarros.
-Por que difícil?

O homem mais alto sorri enquanto puxa o maço do bolso.
-Silva é sobrevivente da Guerra da Água no Brasil. Ele é órfão de guerra e foi criado por religiosos da Inglaterra. O cara sofreu tanto durante a guerra e a criação religiosa recebida, que acabou virando um poço de amargura e ressentimento. Se não fosse pela grana oferecida e o espírito prático dele, nunca iria se meter nesse projeto. Odeia a raça humana, já o ouvi dizer isso várias vezes. Por ele, já deveríamos ter sido extintos. Chama a humanidade de vírus presunçoso.

O militar pega um cigarro e o acende, entre uma baforada deixa escapar seu desprezo.
-Deve ser um merda. Um verme insolente.

Demitri sorri.
-O pior é que não, Vegita. Ele apenas é muito amargo. Se fosse feito de café, precisaria de todo o açúcar sintético do mundo para ficar tragável, mas como profissional é impecável.

O homem de uniforme faz uma nova careta descontente.
-Que se foda. Já estou de saco cheio e...

Santiago é interrompido pela entrada da equipe da ONU, que ruidosamente chega ao já muito barulhento recinto. Ela é composta por vários membros, que rapidamente, ocupam os lugares da mesa reservada sobre um tablado. São mulheres e homens de várias idades e nacionalidades distintas, os mais destacados cientistas de suas áreas.
O último a entrar é um homem de altura média, cabelos crespos, pela morena e uma carranca mal humorada. Veste um terno novo, aparentemente muito caro.

Demitri dá uma cotovelada leve em seu amigo militar e afirma.
-Aquele lá é o Silva. Viu só? A cara dele é sempre assim, nunca o vi sorrindo.

Silva toma seu lugar na mesa principal e com sua voz áspera, dá início à reunião.
-Boa tarde senhores, sou o Doutor Ângelo Silva, responsável pelo projeto Another Chance. Gostaria de agradecer sua presença. Vamos direto ao ponto senhores, o fato é que a humanidade depende do que fizermos e nossas chances de sucesso são mínimas. Na verdade, creio que todo o projeto seja mera perda de tempo e recursos.

Os presentes começam a gritar em oposição às palavras do cientista. O homem vestindo um terno antigo sorri.
-Não falei? Ele odeia a humanidade.

Santiago apenas olha para Silva com raiva, enquanto Demitri sopra anéis de fumaça. A plateia grita mais alto a cada nova frase do responsável pelo projeto da ONU. Os ânimos se exaltam ao ponto da segurança ser chamada para controlar a situação.

Após algumas longas tragadas, enquanto observa o espetáculo, o russo deixa escapar.
-Estamos fodidos.


Ele e Santiago saem da sala, conversando sobre o fracasso que a missão será.