Após um bom tempo sem trabalhar nesse projeto, finalmente apresento um novo capítulo, onde o último personagem chave da trama é apresentado.
Espero que gostem e como sempre, peço que critiquem.
Obrigado!
Alguém amargo.
A
sala de reuniões está cheia. Técnicos e cientistas se acotovelam no pouco
espaço disposto, enquanto esperam o início da reunião programada às pressas.
Eles aguardam a chegada dos membros da equipe, criada pela ONU, para atuar
sobre a descoberta do Cometa Craig.
Todos
discutem acerca das possibilidades que a estrela errante pode apresentar para a
sobrevivência da espécie humana e as dificuldades em utilizá-la para tanto. O
ambiente é preenchido por uma balbúrdia de vários sotaques, que usando da
língua inglesa, vociferam pontos de vista quase sempre discordantes e de um
cheiro odioso de suor, café e cigarros misturados.
Recostados
a um canto da sala, dois homens conversam entre baforadas de cigarro. Um deles
é alto, de meia idade, com cabelos longos e desalinhados. Veste-se com um terno,
cujos melhores dias já passaram, que lhe dá um aspecto de descuido. O outro é
ligeiramente mais baixo, ainda na casa dos vinte, com cabelos raspados em um
corte militar. Ele enverga um uniforme perfeitamente alinhado a sua silhueta
atlética.
O
mais jovem parece contrariado.
-Odeio
essas reuniões montadas às pressas. Sempre muito falatório e pouca ação, sem
contar esses pomposos que se pensam os senhores da ciência. Nunca colocaram o
rabo fora do planeta e pensam saber alguma merda.
Deixando
escapar um sorriso, o homem de terno parece se divertir com o militar.
-Eles
sabem Santiago, mas apenas na teoria. O que não é nenhum demérito, pois sem a
teoria deles, os militares nunca teriam a chance de colocar o rabo no espaço.
Santiago
olha contrariado para o homem que sorri ao seu lado.
-Você
sempre tenta ser engraçado Demitri, pena nunca conseguir. Por que esses merdas
ainda não chegaram? Cada minuto perdido falando, menos chances temos de buscar
a merda do gelo.
Demitri
dá de ombros. A frase de Santiago só faz seu sorriso aumentar.
-Por
isso deixei o exército, os militares não tem senso de humor. Quanto à demora:
Não faço idéia, mas sempre é assim, acho que dessa forma o alto escalão se
sente mais importante.
O
militar deixa cair a guimba de seu cigarro no chão e como se querendo a punir,
pisa com violência.
-Bando
de inúteis, é o que são. Pelo dito, a missão será uma cópia barata de um filme
velho. Mandar várias equipes para o espaço interceptar o gelo e rebocá-lo até o
planeta. Acha que vai dar certo?
O
russo retira do bolso um maço de cigarros e oferece ao militar ranzinza.
-Não
sei, mas pro Bruce Willys, deu certo.
Santiago,
já muito irritado, cruza os braços sobre o peito, ignorando o maço estendido em
sua direção.
-Não
fode Demitri. Onde esses merdas se meteram que não chegam?
O
homem de terno retira um cigarro do maço e o acende na guimba que ainda tem nos
lábios.
-Sei
lá. Mas sabendo que o Silva é o responsável pelo projeto, não deve demorar
muito mais.
O
jovem oficial faz uma careta, como se perguntando quem é a pessoa mencionada.
Demitri, jogando o restolho do cigarro fumado e colocando o recém-aceso nos
lábios, explica.
-Silva...
O cara é um gênio em astro física, física quântica e química. Já foi indicado a
dois Nobels e é considerado o Einstein da atualidade. Um camarada amargo e frio
pra cacete, mais parece uma máquina. Já trabalhei com ele uma vez, é uma pessoa
difícil de conviver.
Santiago
estende a mão em um gesto pedindo por cigarros.
-Por
que difícil?
O
homem mais alto sorri enquanto puxa o maço do bolso.
-Silva
é sobrevivente da Guerra da Água no Brasil. Ele é órfão de guerra e foi criado
por religiosos da Inglaterra. O cara sofreu tanto durante a guerra e a criação
religiosa recebida, que acabou virando um poço de amargura e ressentimento. Se
não fosse pela grana oferecida e o espírito prático dele, nunca iria se meter
nesse projeto. Odeia a raça humana, já o ouvi dizer isso várias vezes. Por ele,
já deveríamos ter sido extintos. Chama a humanidade de vírus presunçoso.
O
militar pega um cigarro e o acende, entre uma baforada deixa escapar seu
desprezo.
-Deve
ser um merda. Um verme insolente.
Demitri
sorri.
-O
pior é que não, Vegita. Ele apenas é muito amargo. Se fosse feito de café,
precisaria de todo o açúcar sintético do mundo para ficar tragável, mas como
profissional é impecável.
O
homem de uniforme faz uma nova careta descontente.
-Que
se foda. Já estou de saco cheio e...
Santiago
é interrompido pela entrada da equipe da ONU, que ruidosamente chega ao já
muito barulhento recinto. Ela é composta por vários membros, que rapidamente,
ocupam os lugares da mesa reservada sobre um tablado. São mulheres e homens de
várias idades e nacionalidades distintas, os mais destacados cientistas de suas
áreas.
O
último a entrar é um homem de altura média, cabelos crespos, pela morena e uma
carranca mal humorada. Veste um terno novo, aparentemente muito caro.
Demitri
dá uma cotovelada leve em seu amigo militar e afirma.
-Aquele
lá é o Silva. Viu só? A cara dele é sempre assim, nunca o vi sorrindo.
Silva
toma seu lugar na mesa principal e com sua voz áspera, dá início à reunião.
-Boa
tarde senhores, sou o Doutor Ângelo Silva, responsável pelo projeto Another
Chance. Gostaria de agradecer sua presença. Vamos direto ao ponto
senhores, o fato é que a humanidade depende do que fizermos e nossas chances de
sucesso são mínimas. Na verdade, creio que todo o projeto seja mera perda de
tempo e recursos.
Os
presentes começam a gritar em oposição às palavras do cientista. O homem
vestindo um terno antigo sorri.
-Não
falei? Ele odeia a humanidade.
Santiago
apenas olha para Silva com raiva, enquanto Demitri sopra anéis de fumaça. A
plateia grita mais alto a cada nova frase do responsável pelo projeto da ONU.
Os ânimos se exaltam ao ponto da segurança ser chamada para controlar a
situação.
Após
algumas longas tragadas, enquanto observa o espetáculo, o russo deixa escapar.
-Estamos
fodidos.
Ele
e Santiago saem da sala, conversando sobre o fracasso que a missão será.