Novo capítulo desse projeto, onde mortos, santos mexicanos e lutadores se cruzam. Tenho esse capítulo como o pior do projeto até agora e o mais non sense. Espero que gostem e novamente peço, comentem. Obrigado!
La Santa Muerte.
Santarém, Pará, 01 de abril
de 2007.
Após o
relato anterior, do senhor Noronha, recebemos um semelhante do senhor Pablo
Rodrigues Navalles, 65 anos, mexicano radicado no Brasil, ex lutador de luta
livre e preparador físico, residente na cidade de Exú em São Paulo. Segundo o
senhor Navalles, ele enfretou um ser fantástico durante sua carreira de lutador
no México e pela primeira vez na vida, expõe sua história publicamente. Como de
costume, após o relato do senhor Navalles, apresentaremos um texto acerca do
ser descrito e fotos da época.
Exú, São Paulo 26 de março
de 2007.
Bom dia,
meu nome é Pablo Rodrigues Navalles e após ler a sua ultima reportagem na
internet, tomei coragem para contar minha história, a qual jamais havia sequer
mencionado para minha esposa e filhos. Mas ao ler o relato do senhor que
enfrentou um demônio e o mantêm cativo até hoje, percebi que era hora de expor
para o mundo como um dia fiz com que um morto voltasse da sepultura.
Nasci em 12
de junho de 1942 em meio aos eventos da Segunda Grande Guerra em um povoado do
interior do México, Punta Grande, lugar calmo e de gente simples. Minha
infância apesar de sofrida, foi boa e feliz, meus pais eram bons, amorosos e
trabalhadores.
Quando fiz oito anos, como
presente de aniversário, meu pai levou a mim e meus irmãos para assistir a uma
luta organizada durante uma feira no povoado, que teria lutadores famosos da
capital. Foi nesse dia em que descobri minha paixão e profissão, a lucha libre.
Fiquei extasiado com os golpes, cores e máscaras. Naquela época as lutas eram
para valer, nada dessa pouca vergonha ensaiada que os americanos exibem na
televisão, os lutadores se feriam de verdade e eram honrados.
Três lutas
estavam programadas para o dia e a principal era a do Dr. Sinistro contra El
Gigante, o maior lutador do México!
Após a já
esperada vitória do campeão, na volta para casa, disse à meu pai que queria ser
um lutador e rindo ele concordou.
Dediquei-me
completamente à lucha libre durante anos e ao completar dezessete, fui para a
capital treinar em uma academia grande. Graças ao meu esforço e paixão, me
tornei um profissional respeitado e de certa fama, fiquei conhecido como
"El Gringo Kid", minha máscara parecia uma cópia da usada pelo
Capitão América, daí o nome. Quando minha fama se tornou grande o suficiente,
consegui realizar o maior sonho de minha vida como lutador, enfrentar El
Gigante, na época eu tinha vinte e cinco anos.
No dia
marcado, eu estava feliz como um menino, mesmo sabendo que provavelmente eu
perderia a luta e assim foi. Mas apesar da derrota, recebi um prêmio, conheci o
grande amor de minha vida, Clara, a enfermeira que cuidou de mim nas duas semanas
que fiquei hospitalizado.
Apaixonamo-nos
e minha vida parecia perfeita.
Mas em um
dia fatídico, durante um passeio, Clara foi tomada de mim. Um assaltante nos atacou
e eu reagi, mesmo sabendo que o maldito estava armado. Ele disparou quatro
vezes, apenas um disparo me acertou, no braço, os outros ceifaram a vida de
minha querida Clara. Ela estava morta e a culpa era toda minha. Fiquei desesperado,
parei de treinar, pouco dormia e passei a beber. Tornei-me praticamente um
mendigo. Durante uma noite de embriaguez, do nada, uma senhora veio até mim,
uma mulher sinistra, que na mesma hora fez o álcool desaparecer e meu sangue
gelar, pois era com toda certeza uma feiticeira, e disse:
-Homem te erga e escuta tua avó. Posso te
ensinar como trazer tua amada de volta a terra dos vivos... Por um preço.
Apesar de
saber que algo assim é contra a natureza e a vontade de Deus, eu prontamente
aceitei, apenas requeri conhecer o que seria o pagamento:
-Nada de valor para você... Tua alma. Aceitas?
Foi um
preço muito alto, mas a mera idéia de ter Clara novamente em meus braços me fez
esquecer o medo da danação eterna e aceitei sem restrições o pacto.
-Bom garoto. Escuta com atenção tua avó: Vá até a cova de sua
amada nas primeiras horas de uma sexta-feira e leve consigo um gato preto, um
punhal virgem e uma imagem da Santa Muerte. A imagem deve ter o manto negro.
Coloca-a sobre a cova e diga: Santísima Muerte traga esta morta até a terra dos
vivos. Peço-te em teu nome secreto, Mictecacihuatl! Então mate o gato e deixe o
sague escorrer sobre a imagem. Entendeu?
Com um
aceno de cabeça afirmei que sim e sorrindo a feiticeira se foi.
Com tudo o
que era necessário, invadi o cemitério durante a madrugada da sexta-feira
seguinte e ao chegar na sepultura de Clara, fiz o ritual. Quando a ultima gota
de sangue caiu sobre a imagem, uma forte ventania se fez e gritos desesperados
pareceram sair de cada cova. O medo me dominou e quando eu estava prestes a
fugir, uma voz me chamou da escuridão, uma voz calma de mulher:
-Por que me conclamas? O que tu queres?
E
lentamente uma figura de horror surgiu da escuridão, La Santa Muerte em pessoa,
vestindo seu manto branco e carregando sua foice. Cai de joelhos e lhe roguei
que trouxesse minha amada de volta:
-Menino tolo, não sabe o que me pedes. Quando a morte toca algo,
ela o transforma... Transforma em algo pior, algo mau. Tua amada já não existe.
Com o
coração cheio de desespero supliquei com todas as forças para que Clara
retornasse e com a voz cheia de pena e ternura, La Santa Muerte tocou com a
ponta da foice a cova e desaparecendo como neblina disse:
-Vendeste tua alma a troco de nada... Menino tolo.
Minutos se
passaram sem que nada mais acontecesse e em certo momento pensei ter imaginado
tudo, foi quando a terra da sepultura começou a se revolver e Clara voltou dos
mortos. Mas aquilo não era minha amada, era algo grotesco, algo mau. O corpo
estava completamente putrefato, a carne podre se desprendia dos ossos e vermes
se arrastavam sobre todas as partes. Com uma voz horrenda, como um gorgolejar
de um porco sendo abatido, a coisa falou:
-Meu amor... Estou aqui...
Deixa que te beije... Permita-me comer!
A criatura
se jogou contra mim tentando me morder, com o horror me dominando corri
cegamente entre as sepulturas, mas o monstro era veloz e me seguiu gritando:
-Não fuja maldito! Por tua causa morri e mesmo o sono da morte me
negas! Não fuja!
Ao ver que
não conseguiria fugir, agarrei um vaso que estava sobre uma sepultura e ataquei
a coisa com um movimento veloz. O vaso acertou em cheio o crânio da criatura e
ambos se partiram, fazendo com que sangue, ossos, carne podre e cacos voassem.
Não esperei para verificar se Clara foi novamente mandada para a terra dos
mortos, corri para casa, onde fiquei trancado por semanas. Assim que o medo
serenou, fui para o porto e me engajei no primeiro navio que encontrei. Ele me
trouxe ao Brasil, este maravilhoso país onde recomecei minha vida e constituí
minha família que tanto amo.
Sei estar
condenado, pois minha alma foi relegada aos tormentos do Inferno, mas agora que
coloco no papel minha história, sinto que um enorme fardo me foi aliviado.
Espero que as pessoas acreditem em minha narrativa e afianço que a mesma é
real. E por fim, lhes digo, amem suas famílias e amigos, pois é tudo que um
homem possui de seu.
Sinceramente,
Pablo Rodrigues Navalles.
La Santa Muerte.
La Santa
Muerte ou Santissima Muerte é a deusa da morte mexicana, cujas origens remontam
do período pré-hispânico, ela é originalmente a deusa do submundo dos mortos da
cultura inca, conhecida por Mictecacihualt ou Mictlantecihuatl é a esposa de
Mictlan, deus dos mortos e ossos. Assim como no Brasil, houve um sincretismo
onde a deusa foi associada a Nossa Senhora na mítica católica. Durante o
feriado do Dia dos mortos (Dia de los muertos) ela é homenageada e fiéis fazem
pedidos e agradecem os milagres alcançados. O feriado do Dia dos mortos é
comemorado na mesma data do Halloween, ou seja, no Dia de Todos os Santos.
Segundo
consta, a imagem da Santa Muerte, dependendo de sua cor, pode ser utilizada
para rituais mágicos, que vão desde feitiços de amor até necromancia.
Apesar de sua aparência
tétrica, a Santa Muerte é muito querida pelo povo mexicano e foi a muitos
séculos abraçada pela Igreja Católica.
Foto: Um luchador e sua amada.
Na foto se
vê um casal, o homem veste um uniforme de lutador com uma característica
máscara mexicana e a moça um vestido simples de verão. Parecem felizes. Sobre a
foto escrita à caneta, a frase: Clara e eu. Verão de 1967.
Foto: Recorte de jornal.
Na foto, um
recorte de jornal onde se vê a foto de um cadáver em adiantado estado de
decomposição estendido no chão de um cemitério, sua cabeça completamente
destroçada. Em letras garrafais a manchete: Ritual de brujeria sinistro!
Agradecemos
o senhor Navalles pelo seu depoimento e novamente nos dispomos a enviar aos
leitores os arquivos originais que temos em mãos, assim que solicitado. Ainda
temos uma notícia triste para comunicar, o senhor Noronha foi encontrado morto
em sua casa no dia de ontem, 31 de março de 2007, pela polícia. Sua casa foi
completamente revirada e destruída. A espada citada no depoimento está
desaparecida. A polícia acredita que tenha sido um caso de latrocínio.
C. C. de Carvalho - Jornalista
Um relato descrito de uma maneira verossímil. Gostei muito e as informações enriqueceram o escrito. Certamente lerei mais de seus textos.
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