sábado, 15 de março de 2014

Posted by T. T. Albuquerque | File under : , , ,
Novo capítulo desse projeto, onde mortos, santos mexicanos e lutadores se cruzam. Tenho esse capítulo como o pior do projeto até agora e o mais non sense. Espero que gostem e novamente peço, comentem. Obrigado!



La Santa Muerte.

Santarém, Pará, 01 de abril de 2007.

Após o relato anterior, do senhor Noronha, recebemos um semelhante do senhor Pablo Rodrigues Navalles, 65 anos, mexicano radicado no Brasil, ex lutador de luta livre e preparador físico, residente na cidade de Exú em São Paulo. Segundo o senhor Navalles, ele enfretou um ser fantástico durante sua carreira de lutador no México e pela primeira vez na vida, expõe sua história publicamente. Como de costume, após o relato do senhor Navalles, apresentaremos um texto acerca do ser descrito e fotos da época.

Exú, São Paulo 26 de março de 2007.

Bom dia, meu nome é Pablo Rodrigues Navalles e após ler a sua ultima reportagem na internet, tomei coragem para contar minha história, a qual jamais havia sequer mencionado para minha esposa e filhos. Mas ao ler o relato do senhor que enfrentou um demônio e o mantêm cativo até hoje, percebi que era hora de expor para o mundo como um dia fiz com que um morto voltasse da sepultura.

Nasci em 12 de junho de 1942 em meio aos eventos da Segunda Grande Guerra em um povoado do interior do México, Punta Grande, lugar calmo e de gente simples. Minha infância apesar de sofrida, foi boa e feliz, meus pais eram bons, amorosos e trabalhadores.
Quando fiz oito anos, como presente de aniversário, meu pai levou a mim e meus irmãos para assistir a uma luta organizada durante uma feira no povoado, que teria lutadores famosos da capital. Foi nesse dia em que descobri minha paixão e profissão, a lucha libre. Fiquei extasiado com os golpes, cores e máscaras. Naquela época as lutas eram para valer, nada dessa pouca vergonha ensaiada que os americanos exibem na televisão, os lutadores se feriam de verdade e eram honrados.

Três lutas estavam programadas para o dia e a principal era a do Dr. Sinistro contra El Gigante, o maior lutador do México!

Após a já esperada vitória do campeão, na volta para casa, disse à meu pai que queria ser um lutador e rindo ele concordou.

Dediquei-me completamente à lucha libre durante anos e ao completar dezessete, fui para a capital treinar em uma academia grande. Graças ao meu esforço e paixão, me tornei um profissional respeitado e de certa fama, fiquei conhecido como "El Gringo Kid", minha máscara parecia uma cópia da usada pelo Capitão América, daí o nome. Quando minha fama se tornou grande o suficiente, consegui realizar o maior sonho de minha vida como lutador, enfrentar El Gigante, na época eu tinha vinte e cinco anos.

No dia marcado, eu estava feliz como um menino, mesmo sabendo que provavelmente eu perderia a luta e assim foi. Mas apesar da derrota, recebi um prêmio, conheci o grande amor de minha vida, Clara, a enfermeira que cuidou de mim nas duas semanas que fiquei hospitalizado.

Apaixonamo-nos e minha vida parecia perfeita.

Mas em um dia fatídico, durante um passeio, Clara foi tomada de mim. Um assaltante nos atacou e eu reagi, mesmo sabendo que o maldito estava armado. Ele disparou quatro vezes, apenas um disparo me acertou, no braço, os outros ceifaram a vida de minha querida Clara. Ela estava morta e a culpa era toda minha. Fiquei desesperado, parei de treinar, pouco dormia e passei a beber. Tornei-me praticamente um mendigo. Durante uma noite de embriaguez, do nada, uma senhora veio até mim, uma mulher sinistra, que na mesma hora fez o álcool desaparecer e meu sangue gelar, pois era com toda certeza uma feiticeira, e disse:
-Homem te erga e escuta tua avó. Posso te ensinar como trazer tua amada de volta a terra dos vivos... Por um preço.

Apesar de saber que algo assim é contra a natureza e a vontade de Deus, eu prontamente aceitei, apenas requeri conhecer o que seria o pagamento:
-Nada de valor para você... Tua alma. Aceitas?

Foi um preço muito alto, mas a mera idéia de ter Clara novamente em meus braços me fez esquecer o medo da danação eterna e aceitei sem restrições o pacto.
-Bom garoto. Escuta com atenção tua avó: Vá até a cova de sua amada nas primeiras horas de uma sexta-feira e leve consigo um gato preto, um punhal virgem e uma imagem da Santa Muerte. A imagem deve ter o manto negro. Coloca-a sobre a cova e diga: Santísima Muerte traga esta morta até a terra dos vivos. Peço-te em teu nome secreto, Mictecacihuatl! Então mate o gato e deixe o sague escorrer sobre a imagem. Entendeu?

Com um aceno de cabeça afirmei que sim e sorrindo a feiticeira se foi.

Com tudo o que era necessário, invadi o cemitério durante a madrugada da sexta-feira seguinte e ao chegar na sepultura de Clara, fiz o ritual. Quando a ultima gota de sangue caiu sobre a imagem, uma forte ventania se fez e gritos desesperados pareceram sair de cada cova. O medo me dominou e quando eu estava prestes a fugir, uma voz me chamou da escuridão, uma voz calma de mulher:
-Por que me conclamas? O que tu queres?

E lentamente uma figura de horror surgiu da escuridão, La Santa Muerte em pessoa, vestindo seu manto branco e carregando sua foice. Cai de joelhos e lhe roguei que trouxesse minha amada de volta:
-Menino tolo, não sabe o que me pedes. Quando a morte toca algo, ela o transforma... Transforma em algo pior, algo mau. Tua amada já não existe.

Com o coração cheio de desespero supliquei com todas as forças para que Clara retornasse e com a voz cheia de pena e ternura, La Santa Muerte tocou com a ponta da foice a cova e desaparecendo como neblina disse:
-Vendeste tua alma a troco de nada... Menino tolo.
Minutos se passaram sem que nada mais acontecesse e em certo momento pensei ter imaginado tudo, foi quando a terra da sepultura começou a se revolver e Clara voltou dos mortos. Mas aquilo não era minha amada, era algo grotesco, algo mau. O corpo estava completamente putrefato, a carne podre se desprendia dos ossos e vermes se arrastavam sobre todas as partes. Com uma voz horrenda, como um gorgolejar de um porco sendo abatido, a coisa falou:
-Meu amor...  Estou aqui... Deixa que te beije... Permita-me comer!

A criatura se jogou contra mim tentando me morder, com o horror me dominando corri cegamente entre as sepulturas, mas o monstro era veloz e me seguiu gritando:
-Não fuja maldito! Por tua causa morri e mesmo o sono da morte me negas! Não fuja!

Ao ver que não conseguiria fugir, agarrei um vaso que estava sobre uma sepultura e ataquei a coisa com um movimento veloz. O vaso acertou em cheio o crânio da criatura e ambos se partiram, fazendo com que sangue, ossos, carne podre e cacos voassem. Não esperei para verificar se Clara foi novamente mandada para a terra dos mortos, corri para casa, onde fiquei trancado por semanas. Assim que o medo serenou, fui para o porto e me engajei no primeiro navio que encontrei. Ele me trouxe ao Brasil, este maravilhoso país onde recomecei minha vida e constituí minha família que tanto amo.

Sei estar condenado, pois minha alma foi relegada aos tormentos do Inferno, mas agora que coloco no papel minha história, sinto que um enorme fardo me foi aliviado. Espero que as pessoas acreditem em minha narrativa e afianço que a mesma é real. E por fim, lhes digo, amem suas famílias e amigos, pois é tudo que um homem possui de seu.
Sinceramente,
                        Pablo Rodrigues Navalles.

La Santa Muerte.

La Santa Muerte ou Santissima Muerte é a deusa da morte mexicana, cujas origens remontam do período pré-hispânico, ela é originalmente a deusa do submundo dos mortos da cultura inca, conhecida por Mictecacihualt ou Mictlantecihuatl é a esposa de Mictlan, deus dos mortos e ossos. Assim como no Brasil, houve um sincretismo onde a deusa foi associada a Nossa Senhora na mítica católica. Durante o feriado do Dia dos mortos (Dia de los muertos) ela é homenageada e fiéis fazem pedidos e agradecem os milagres alcançados. O feriado do Dia dos mortos é comemorado na mesma data do Halloween, ou seja, no Dia de Todos os Santos.

Segundo consta, a imagem da Santa Muerte, dependendo de sua cor, pode ser utilizada para rituais mágicos, que vão desde feitiços de amor até necromancia.
Apesar de sua aparência tétrica, a Santa Muerte é muito querida pelo povo mexicano e foi a muitos séculos abraçada pela Igreja Católica.

Foto: Um luchador e sua amada.
Na foto se vê um casal, o homem veste um uniforme de lutador com uma característica máscara mexicana e a moça um vestido simples de verão. Parecem felizes. Sobre a foto escrita à caneta, a frase: Clara e eu. Verão de 1967.

Foto: Recorte de jornal.
Na foto, um recorte de jornal onde se vê a foto de um cadáver em adiantado estado de decomposição estendido no chão de um cemitério, sua cabeça completamente destroçada. Em letras garrafais a manchete: Ritual de brujeria sinistro!

Agradecemos o senhor Navalles pelo seu depoimento e novamente nos dispomos a enviar aos leitores os arquivos originais que temos em mãos, assim que solicitado. Ainda temos uma notícia triste para comunicar, o senhor Noronha foi encontrado morto em sua casa no dia de ontem, 31 de março de 2007, pela polícia. Sua casa foi completamente revirada e destruída. A espada citada no depoimento está desaparecida. A polícia acredita que tenha sido um caso de latrocínio.


C. C. de Carvalho - Jornalista

Um comentário:

  1. Um relato descrito de uma maneira verossímil. Gostei muito e as informações enriqueceram o escrito. Certamente lerei mais de seus textos.

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